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A Revista do Expresso

Punk, feminista e escritora. Entrevista a Virgine Despentes: “Os homens ainda não perceberam que podem mudar a ideia de masculinidade”

Aos 24 anos alcançou “fama instantânea”, em França, com um livro sobre a violação de que foi vítima. Ganhou relevo entre o movimento feminista, anos depois, ao publicar o ensaio “Teoria King Kong”. No novo romance, “Caro Idiota”, a escritora reflete sobre as nuances do #metoo

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uma época em que grande parte das mulheres se convencia de que não precisava de embarcar em manifestos feministas, por acreditar que a luta estava ganha, pelo menos no Ocidente, Virginie Despentes fazia questão de lembrar que o feminino era também o “sexo do medo”. O movimento #metoo, e tudo o que este haveria de revelar, estava então bem distante, mas a escritora francesa transportava no corpo, desde a adolescência, a violação, a humilhação, o nojo. Com a publicação de “Baise-moi”, em 1993, descobriu que muitas outras mulheres, tal como ela, haviam sofrido o mesmo, e foi isso que a fez olhar para a base do icebergue. A violação, um “risco inerente à condição de mulheres” e à expressão da liberdade, correspondia a um trauma que, ao contrário de todos os outros, não era confessável, “não entrava na literatura”. “Baise-moi” e a universidade punk-rock, enquanto lugar onde aprendeu a quebrar os códigos estabelecidos, criou a escritora, mas também a pensadora que haveria de escrever o ensaio-manifesto feminista “Teoria King Kong”. Livro no qual Virginie Despentes deixou claro que o corpo da mulher nunca deixou de ser um lugar de violência e de construção de virilidade. Depois apareceu o thriller punk-rock “Vernon Subutex 1” e “Vernon Subutex 2”, finalistas do Booker Prize, levados a palco, por Thomas Ostermeier, na Schaubühne de Berlim, e uma série francesa de televisão, com o mesmo nome. Durante mais de dez anos partilhou a vida com Paul B. Preciado, outro grande teórico das questões de género, com quem colaborou em “Orlando”. Acaba de lançar “Caro Idiota”, um livro que já incorpora a visão #metoo e que é pretexto para esta conversa.