Em 1938 venceu o concurso da aldeia mais portuguesa de Portugal o que lhe valeu um galo de prata, ainda hoje exibido com orgulho na festa da Senhora do Castelo, a três de Maio de cada ano, a que se junta a celebração lendária da vitória sobre o cerco das tropas francesas ao Castelo de Monsanto.
Reza a lenda que, à míngua de comida, os monsantinos decidiram dar o trigo disponível à bezerra que restava e deitaram-na encosta abaixo. Os franceses, ao constatarem que não faltavam mantimentos no Castelo, decidiram abandonar o cerco. Hoje, a bezerra foi substituída por um pote de barro caiado e o trigo está representado por flores, mas a cerimónia continua, porque a tradição não se pode perder.
Este ano, ao três de Maio, que foi sábado, juntou-se a festa dos 700 anos do foral da Feira de São Pedro, outorgado por D. Dinis. A vila engalanou-se à maneira medieval e muitos quiseram assistir a uma tradição que o passar do tempo pode matar. Por isso, uma equipa da Escola de Artes Aplicadas de Castelo Branco (Esart) esteve vários dias em Monsanto, recolheu testemunhos, acompanhou as festas e deu voz aos cerca de 100 monsantinos que não desistem de prolongar a sua história no tempo.
Do trabalho resultou um documentário de 100 minutos entretanto seleccionado para o CINE' ECO 2008 (XIV Festival Internacional e Cinema e Vídeo de Ambiente da Serra da Estrela, Seia). Esta já é a maior produção realizada por Carlos Reis, docente da Esart, integrado numa equipa constituída por Francisco Pinho, João Paulo Martins, Isabel Marcos e a aluna Sónia Lourenço.
Legendado em inglês, merece a pena, como diria o povo. Porque, nele, é o povo que tem voz, que fala de si próprio e das suas tradições, algumas delas orais e já com versões diferentes. Esse é o caso das marafonas, hoje bonecas de trapos, antes cruzes que protegiam das trovoadas e que a três de Maio eram vestidas com roupas de bebé. Mas as marafonas também são chamariz de turistas, cujo interesse e presença pode desempenhar um papel fundamental na continuidade da aldeia mais portuguesa.
"A ideia surgiu porque vamos frequentemente a Monsanto. Em conversas com as senhoras, que gostam muito de manter as tradições, decidimos perpetuar a voz delas", refere Carlos Reis, que partiu, sem um guião definido, para um documentário cujos testemunhos faziam crescer e enobreciam.
A equipa fala com Maria da Luz Régio, hoje com mais de 90 anos, mas bem recordada da aldeia ter ganho o galo de prata, pois acompanhou a comitiva a Lisboa e ainda se recorda que foi Salazar a entregar o troféu à representante mais nova. Mas se o tempo era de outras políticas, Carlos Reis esclarece: "O galo de prata marcou muito as pessoas de Monsanto. Apesar de ganho num concurso que foi uma manifestação do Estado Novo, o galo foi adoptado com orgulho, sem que as pessoas o associassem à questão política".
A força dessa tradição, associada à do pote e à da vitória sobre o cerco francês, fizeram que, este ano, o pote subisse duas vezes ao Castelo, uma no dia três, como manda a tradição, outra no dia quatro, domingo, para criar uma associação com a festa que estava preparada.
Quer num dia quer no outro, em terra de adufes, eles não podiam faltar. Nem podia faltar quem recorde que o adufe nasceu em Monsanto, pelo que não há quem o toque como ali. É, por isso, o som dos adufes que acompanha os cantares entoados enquanto o pote sobe ao Castelo, e de onde se destaca a Divina Santa Cruz.
A organização ainda tentou que as mulheres que levavam o pote e entoavam cantos se vestissem à moda dos templários. A proposta foi prontamente recusada em nome da tradição. Uma tradição complicada, pois o pote, com cerca de 10 a 15 quilos, tem de ir à cabeça de uma mulher e aquela que tem desempenhado a tarefa, embora goste, já vai referindo que as forças faltam.
Mas a festa vale a pena. Na capela juntam-se os fiéis, que ouvem o pároco Vitor Vaz, a quem não choca o facto de haver uma associação de uma festa religiosa a alguns festejos profanos, como a actuação de ranchos, os jogos tradicionais e o lançamento do pote. O que chocou, e muito, foi o furto do brasão da porta poente da vila, que o documentário ainda dá conta, pois aconteceu logo após a festa.
Agora, os monsatinos atribuem mais valor ao brasão do que antes. É que a memória de um povo vale muito. Como alguém refere no documentário: "Nós pensamos que sabemos mais que os nossos antepassados porque o mundo está muito desenvolvido. Mas não sabemos. Isto é complicado". Mais fácil será fazer cópias da versão inglesa do filme e prolongar a tradição aquém e além Monsanto.