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Calculadora nas aulas: sim ou não?

Novo programa de Matemática para o ensino básico diz que a máquina de calcular não deve ser usada antes do 9º ano. Nuno Crato sempre o defendeu, mas a orientação agora conhecida não é consensual entre docentes.

Usar antes do 9.º ano, eis questão
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Isabel Leiria (ileiria@expresso.impresa.pt)

SIM. Tabuada de cor não faz um bom aluno

Não é que a Associação de Professores de Matemática (APM) defenda a utilização das máquinas de calcular em todos os anos de ensino e em todas as matérias. Mas aceita que possam ser utilizadas, logo a partir do 1º ciclo, na "resolução de problemas e na exploração de situações". Em particular quando o que está em causa não é saber se os alunos conseguem fazer contas, mas se são capazes de encontrar estratégias para chegar à solução e interpretar os resultados. Isto porque, defende a presidente da APM, ainda que o cálculo mental deva ser treinado, a Matemática não é só feita de contas.

Tal como não passa apenas pela "memorização", sublinha Luísa Figueiral. "Não somos contra (decorar). O que achamos é que os alunos são capazes de mais. Saber a tabuada de cor, por exemplo, é uma aprendizagem muito básica, que não torna um aluno num bom estudante."

As críticas da APM em relação às novas metas curriculares para a Matemática e ao programa do básico anunciado esta semana - para substituir o que foi aprovado em 2007 e entrar progressivamente em vigor no próximo ano letivo -, não se ficam por aqui. "Foi definida uma check list, com 190 objetivos e 900 descritores, como se estivéssemos a preparar autómatos e não a educar pessoas."

O ministro fala num programa "moderno", a presidente da APM diz tratar-se de um retrocesso de 40 anos. "Todo o ensino passa a ser centrado na aquisição de conhecimentos factuais e na mecanização de rotinas por parte dos alunos, em detrimento de aprendizagens de maior exigência cognitiva."

Mais do que a "mecanização" dos procedimentos, Luísa Figueiral defende que a aposta devia ir no sentido de treinar a compreensão e atividades que permitam aos alunos "conjeturar, verificar, descobrir", aproximando a Matemática de situações da vida real. Essa linha é seguida em países como os EUA, Finlândia ou Singapura. E é assim, diz, que se garante um maior interesse dos alunos e que os conhecimentos adquiridos persistam.

 

NÃO. Desnecessária e inibidora do cálculo mental

O uso da calculadora no ensino básico é "completamente desnecessário e não beneficia em nada a aprendizagem", defende Miguel Abreu, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM). "Neste nível de ensino, não há nada em que se possa ir mais além pelo facto de se utilizar a máquina de calcular."

O problema, acrescenta, é que este uso pode até ser contraproducente, já que "tem potencial para inibir a destreza no domínio do cálculo mental, que os alunos devem ganhar nessa altura". Alguns "ficam muito dependentes da calculadora para fazerem coisas elementares, que estão na base da Matemática, e que deviam conseguir fazer por si".

Além de as retirar da sala de aula - a menos que o professor entenda que, num determinado caso e grupo de alunos, fazem sentido -, o presidente da SPM diz que também não deviam ser permitidas nos exames nacionais, nem mesmo do 9º ano.

Segundo uma análise feita pelo conselho consultivo do Gave (gabinete que elabora os testes), nenhuma pergunta feita nas provas dos últimos três anos implicava necessariamente o recurso à calculadora. "Nalguns casos, o facto de ser possível tirava até qualquer sentido à questão. Bastava ao aluno saber carregar nas teclas." No exame do 6º ano, Nuno Crato deu indicação para que tal fosse permitido em apenas metade da prova. "É muito positivo que se tenha limitado, porque obriga o ensino a libertar-se da dependência da máquina", defende Miguel Abreu.

O professor do Instituto Superior Técnico não sabe se é o facto de os alunos terem dificuldade em fazer contas de cabeça ou se é por lhes faltar conhecimentos mas surpreende-se e lamenta que, numa resposta de escolha múltipla, 46% dos alunos do 6º ano não consigam dizer a quanto corresponde 30% de 60.

Quanto às novas metas curriculares e ao programa da Matemática, aplaude a filosofia: "Havia um programa que era muito prescritivo dos métodos de ensino e bastante vago nos conteúdos. Agora inverte-se o princípio e elenca-se tudo o que os alunos têm de saber fazer ao longo dos anos. Isso é positivo."

 

Texto publicado no Primeiro Caderno da edição do Expresso de 27 de abril de 2013