São nove dias de duelos presidenciais, entre os principais candidatos, ainda mais centrais numa campanha limitada pela pandemia. O Expresso juntou comentadores para avaliar Marisa Marias e João Ferreira, no duelo desta sexta-feira na RTP. O que se segue são as notas para os dois - com Marisa a ficar pelo 3,9 e João Ferreira a chegar aos 4,6 - e a leitura do que aconteceu.
Cristina Figueiredo
Marisa Matias 5 - João Ferreira 5
Teria de acontecer pelo menos um debate para cumprir calendário. Foi este. Uma conversa amena, sem insultos, sem acusações, sem sobreposições de voz. Não nos contou nada que não soubéssemos já sobre cada um dos candidatos e das causas que defendem em nome dos partidos que indisfarcavelmente representam nesta campanha.
Daniel Oliveira
Marisa Matias 5 - João Ferreira 5
Um debate entre habituais debatentes. O facto de candidatos disputarem agendas (e não tanto eleitores) nem sempre leva a debates vivos. Muitas vezes resolvem-se em ataques pelo flanco, não demasiado explícitos. E, nestes combates entre o PCP e o BE, os comunistas costumam ser mais ofensivos, resultados do ressentimento de terem chegado primeiro e terem sido destronados. Só que surgem as primeiras sondagens a darem Ferreira à frente de Marisa e isso obrigaria a candidata do Bloco a ir a jogo. E ficaram todos à defesa.
Marisa Matias ainda tentou usar falar ao eleitorado jovem (que muito improvavelmente estaria a ver o debate), pegando em discordâncias com o PCP: paridade, drogas leves, eutanásia, tourada, ambiente. Era o espaço onde ela podia vencer João Ferreira. Mas o moderador não lhe fez a vontade e rumou aos assuntos em que estavam de acordo.
Estou preocupado com o que se passa com a refinaria de Matosinhos, mas o tempo dedicado ao tema num debate presidencial, quando ainda por cima era previsível que os dois candidatos estivesse de acordo, é difícil de perceber.
Marisa quis atacar o PCP por causa do Orçamento de Estado, falando de conteúdo caro ao PCP – como as leis laborais – e falando falta de firmeza, mas foi incapaz de o fazer de uma forma direta. Na reação, João Ferreira teve o mesmíssimo problema. Até corrigiu o moderador quando ele disse que tinha criticado Marisa Matias. O problema, neste tema, é que os dois têm, para os seus eleitores, os papeis trocados. Independentemente das razões de cada um. O facto de Marisa dizer que a vida vai mostrar as razões do BE – que eu por acaso até acho que as tem – mostra a dificuldade em comunicar isso aos seus eleitores neste momento. A discordância sobre o estado de emergência foi deixada para o fim e podia dar mais. Não deu nada.
Os debates têm de ter conteúdo e forma. Quando a forma é viva e o conteúdo vazio é um problema. Quando o conteúdo é um pouco mais rico e a forma enfadonha, há um problema. O debate foi soporífero. Provavelmente, nenhum quis arriscar. Ficou pouco.
David Dinis
Marisa Matias 4 - João Ferreira 7
Confirmando-se a tendência dos restantes debates, Marisa Matias perdeu-se logo à partida: quis desfiar as diferenças entre o Bloco e PCP (para mostrar os bloquistas como esquerda mais moderna ou cosmopolita) e… enganou-se ao acusar o PCP de não ter defendido o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “É verdade que temos diferenças, mas não é preciso inventá-las”, disparou o comunista, com um sorriso.
Depois, e bem, o moderador introduziu o tema da refinaria de Sines, onde a esquerda pareceu incoerente: PCP e BE defendem o combate às alterações climáticas, mas são contra o fecho da refinaria. E João Ferreira mostrou-se preparado e sólido, mais do que a adversária.
Estava quase fechado o debate, mas Marisa quis criticar o PCP pela aprovação do Orçamento: culpa dos comunistas, disse, por não haver reforço do SNS e recuperação das leis laborais pré-troika. Podia ter saído bem, mas não se consegue ver como alguma dessas duas propostas existiria se não houvesse orçamento aprovado.
Henrique Monteiro
Marisa Matias 3 - João Ferreira 5
Podia ter adormecido. Não dizem nada de novo. Ouvi estes mesmos argumentos inúmeras vezes.
Mesmo quando Marisa tentou enumerar as diferenças entre o BE e o PCP foi uma lenga-lenga.
João Ferreira foi, como sempre, mais estruturado e com uma atitude mais determinada e assertiva. Convenço-me que sucederá a Jerónimo de Sousa, logo que a brigada do reumático do PCP permitir.
Marisa, sob a capa de tranquilidade, parece ansiosa, ou preocupada com algo que não expressa.
Nota sobre debate da refinaria da Galp em Matosinhos, novidade nestes debates. Falaram ambos muito bem, mas não disseram como resolveriam o problema.
Henrique Raposo
Marisa Matias 3 - João Ferreira 3
Um tédio absoluto e revelador: se um debate entre BE e PCP é este imenso tédio burguês, algo de muito diferente está no ar. A diferença é esta: a energia revolucionária, que eu irei sempre combater, migrou desta extrema-esquerda velha e/ou acomodada para a extrema-direita representada pelo Chega.
João Silvestre
Marisa Matias 4 - João Ferreira 5
João Ferreira esteve mais articulado e, mesmo nos pontos de convergência com Marisa Matias, pareceu sempre mais sólido. Quando não é obrigado a gritar, como aconteceu com André Ventura, consegue expor os seus pontos de vista com maior clareza. Como é tradicional nos candidatos do PCP, teve alguma dificuldade em afastar-se da linha oficial do partido e isso notou-se quando teve, por exemplo, de defender a posição no Orçamento do Estado ou a sua posição nas questões fraturantes - que Marisa Matias trouxe para debate –onde os comunistas são bem mais conservardores. Marisa esteve melhor no Estado de Emergência embora se tenha deixado seduzir por alguns chavões – como os 41% do orçamento da saúde que vão para privados sem dizer que uma parte grande disto são farmácias ou compra de medicamentos para os hospitais – que não devem ser usados sem maior contexto.
João Vieira Pereira
Marisa Matias 2 - João Ferreira 3
O único momento alto do debate foi a forma como os dois candidatos meteram os pés pelas mãos em relação ao fecho da Refinaria de Matosinhos não conseguindo explicar a incongruência das suas posições entre a defesa do ambiente e o fecho da fábrica.
Do resto ambos puxaram da mesma cartilha entediante de sempre com João Ferreira a ser aquele que melhor passou a sua mensagem.
Luís Pedro Nunes
Marisa Matias 4 - João Ferreira 4
Depois da canseira que foi o debate anterior este tinha tudo para ter um efeito xanax. Teve. Como numa longa viagem a conduzir necessitei de me concentrar para não adormecer numa 6ª feira à noite a tentar detetar diferenças entre os candidatos. Nos costumes, se houve clivagens há uma década já não há. Marisa queria apontar o dedo, mas João foi perentório. Também é um liberal no campo das coisas da intimidade embora o PCP, pelo que se sabe, é mais dado a regras. Quanto às questões ambientais são gémeos: soaram a uma caricatura de um industrial do século XIX. O moderador, e bem, colocou a questão relativa ao fecho da refinaria de Matosinhos e ambos mandaram a ecologia para as urtigas. Marisa fala “capa vazia das alterações climáticas” e João garantiu-nos que a “poluição é uma chatice, mas as fábricas precisam de trabalhar”. São ideias para consultores de ambiente de grandes indústrias poluidoras, estes dois. A seguir elogiaram o tempo em que o nosso SNS era o Ronaldo dos SNS e segundo o Carlos Daniel ter-se-ão atacado na questão do Orçamento. Ainda bem que me alertou. Pareceu-me mais conversa de Life Coach: não se pode desistir a meio, o combate faz-se combatendo. Mas, lá está: domino mal o jargão de economia.
Martim Silva
Marisa Matias 3 - João Ferreira 3
Os dois candidatos, um do Bloco de Esquerda e outro do PCP, mostraram-se muito próximos em matérias como a legislação de chamadas matérias fraturantes, como as uniões de facto, os casamentos homossexuais e outros. Também na questão das políticas ambientais e de combate às alterações climáticas estiveram em grande sintonia. De facto, Marisa Matias e João Ferreira estiveram esta noite frente-a-frente. Mas não estiveram em verdadeiro debate.
Paula Santos
Marisa Matias 5 - João Ferreira 5
Só duas frases trocadas já na parte final do debate (conversa?) deixaram à vista o que os separa.
Marisa Matias ensaiou várias vezes... "se toda a esquerda tivesse sido mais firme" para relembrar o voto a favor do PCP no OE . Isto a propósito do que poderia ter mudado no contexto das leis laborais.
João Ferreira ripostou "valorizo os que não desistem a meio do combate". António Costa tinha recorrido à palavra "desertar" para falar do Bloco. O candidato do PCP foi bem mais suave, o que encaixou na perfeição no tom do frente a frente. É dele a frase "não vale a pena cavar diferenças onde elas não existem" e que para mim foi a imagem de marca dos 30 minutos de conversa.
São dois candidatos que procuraram respeitar o espaço de um e do outro e que encararam o debate como uma espécie de pacto de não agressão, próprio de quem considera que não disputa o mesmo tipo de eleitorado.
Não vislumbro um claro vencedor e neste cenário, tendo em conta a quantidade de debates que já vimos e onde Marisa se saíu pior do que João Ferreira, pode favorecer o candidato do PCP.
Pedro Adão e Silva
Marisa Matias 5 - João Ferreira 6
Pedro Santos Guerreiro
Marisa Matias 3 - João Ferreira 3
BE e PCP não se comparam por quão de esquerda são um face ao outro, mas pelas profundas diferenças que têm entre si enquanto forças de esquerda. Essas diferenças não estiveram presentes no debate entre Marisa Matias e João Ferreira, que foram muito mais cordatos um com o outro do que os seus partidos pensam um do outro. Porquê? Porque não disputam assim tanto eleitorado entre si. E porque os seus adversário nesta campanha não estavam ali.
João Ferreira afirma a sua candidatura “pela positiva” e responde que “não vale a pena inventar” diferenças, Marisa Matias “debate a pluralidade com gosto” e não vê “nenhum mal” em divergências - e o debate assim se arrastou sem que se aborrecessem entre eles mas aborrecendo-nos a nós. De ambos ouvimos as frases que haviam dito noutros debates, sem grande confronto real em temas como o SNS e maçando no tema ambiental, e criado apenas uma questão política, mas que não é presidencial: sobre a falta de firmeza de “toda a esquerda”, que, se unida, poderia ter mudado as leis laborais e reforçado o SNS antes da pandemia. Foi tudo e foi pouco.
Insisto, fazer debates sem empenho é um erro: numa campanha sem rua e quase em confinamento, os debates televisivos ganham recobrada importância e audiência. Neste, ambos os candidatos desperdiçaram tempo. Não era preciso atacarem-se. Era preciso debater política, era preciso debater Presidência da República.
Vítor Matos
Marisa Matias 5 - João Ferreira 6
Maçadores... soporíferos... E a esta conversa morna não se pode chamar "debate". São dois candidatos de esquerda, mas não com eleitores da mesma esquerda, que repetem à exaustão (quase) as mesma ideias. Apesar de Marisa ter começado por apontar diferenças, casamento homossexual - que João Ferreira tratou de desmentir em tom sereno minutos depois -, prospeção de petróleo no Algarve, touradas, fazem parte do mesmo grupo parlamentar em Estrasburgo e Bruxelas. Faz sentido. Não terá sido empolgante nem usou linguagem que o espetador comum possa perceber, mas na resposta à questão da Galp em Matosinhos, João Ferreira demonstrou preparação e conhecimento sobre o dossiê em particular, e Marisa Matias não saiu de meia dúzia de banalidades. Uma enorme diferença. Foi um debate de conteúdo, mas sem confronto de propostas e posições. Mesmo quando Ferreira diz que no OE vale a pena lutar até ao fim - crítica implícita ao Bloco mas só para quem perceber - e depois quando Marisa afirma que uma esquerda unida a exigir mais meios para o SNS, isso não foi fator de "debate". Meia hora a jogar para o empate, mas mesmo assim o comunista ganhou. Estas performances elimina Marisa do rol de possíveis sucessores de Catarina Martins.