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PS muda de posição e quer reconhecer já o Estado da Palestina. Governo diz que mediar é "mais exigente" mas dá "frutos"

O PS criticou o Executivo por tardar em reconhecer o Estado da Palestina, à espera da unanimidade. Na resposta, o ministro dos Assuntos Parlamentares considerou que a opção seguida pelo Governo português não é tão simples e acusou os socialistas de "flic flac à retaguarda"

ANTÓNIO COTRIM

Se há seis meses, a esquerda, com exceção do PS, se manifestou a favor do reconhecimento imediato do Estado da Palestina, em plenário, mostrou-se agora ainda mais unida, com os socialistas a mudarem de posição e a defenderem também essa via esta sexta-feira no Parlamento, o que lhe valeu acérrimas críticas do Executivo. Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, insistiu que reconhecer já o Estado da Palestina poderia ter consequências negativas, acreditando que Portugal deve continuar a assumir o papel de mediador no conflito, com vista a uma solução de paz duradoura para a região. Posição em linha com o PSD, CDS, o Chega e a Iniciativa Liberal (IL).

Portugal está apostado em assumir uma posição de mediação consequente. E está a lutar pela solução do reconhecimento dos dois Estados”, disse o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, no arranque do debate, reconhecendo, contudo, que o reconhecimento imediato do Estado da Palestina seria a solução “mais simples”.

A opção diplomática seguida pelo Governo português é “mais exigente” e “corajosa”, mas já está a dar “frutos” nestes dois meses, garantiu o governante, sublinhando que a própria Autoridade Palestiniana e os países árabes, como a Arábia Saudita, saudam o posicionamento português. E frisou que Portugal tomou a medida unilateral de "não autorizar a exportação de armas para Israel, e manter as pontes com o Governo israelita" além de "estar apostado em trazer para a causa palestiniana os países da União Europeia (UE) que eram relutantes em relação ao direito à existência da Palestina".

Afirmando que o reconhecimento do Estado da Palestina não representará “infelizmente” um cessar-fogo, Pedro Duarte reafirmou que esse continua a ser também um objetivo. “Continuaremos a trabalhar através dos canais diplomáticos para a paz duradoura numa região tão devastada e com um povo sofredor”, reforçou.

Já a socialista Alexandra Leitão saiu em defesa do reconhecimento imediato do Estado da Palestina por Portugal, considerando que as circunstâncias se alteraram significativamente nos últimos meses: “Mais de oito meses após os hediondos ataques terroristas de 7 de outubro, já morreram na Faixa de Gaza mais de 37 mil pessoas, das quais 14 mil criança se 85 mil feridos. Gaza está a tornar-se num cemitério de crianças”, advertiu, citando o secretário-geral da ONU, António Guterres.

Defendendo que a comunidade internacional não pode continuar a assistir de braços cruzados a esta tragédia, a líder da bancada socialista alertou que o direito internacional é “para cumprir” e que cabe ao Governo português “atuar decididamente”. “Tem de se reconhecer já o estado da Palestina. É um passo na direção certa que Portugal deve dar”, advogou, lembrando que 10 países da UE já reconheceram o Estado da Palestina, estando a construir-se um consenso internacional em torno desta matéria. “Esperar pela unanimidade é adiar a solução”, reforçou ainda.

A mudança de posição dos socialistas levou o ministro dos Assuntos Parlamentares a acusar o PS de não se mover por “convicções”, mas sim “conveniências”, após nada ter feito neste sentido durante os oito anos do Governo de António Costa. “O PS conseguiu em dois meses dar um flic-flac à retaguarda em quase tudo. Parece que entre estar no Governo e na oposição o mundo mudou. O PS tem esta padrão e é grave, só porque passam para a oposição alteram completamente a posição, isso é uma ferida na credibilidade do PS”, atacou.

Também o centrista, Paulo Núncio, foi duro nas críticas aos socialistas, considerando a declaração da líder parlamentar de uma “enorme hipocrisia”, por mudarem de posicionamento só por estarem agora na oposição. “Onde o PS esteve nos últimos dois anos? Que autoridade o PS tem para pedir agora o reconhecimento imediato do Estado da Palestina, quando nos últimos oito anos não fez absolutamente nada?”, questionou.

Livre insiste num guião para reconhecimento da Palestina

No debate de atualidade agendado pelo Livre, Rui Tavares começou por afirmar que só através do direito internacional e do reconhecimento do Estado da Palestina é que será possível dar passos na direção certa com vista a uma solução de paz duradoura para a região internacionalmente aceite. “A comunidade internacional tem que declarar, uma vez por todas, que não há forma de impedir o reconhecimento do Estado da Palestina. Portugal já o deveria ter feito, mas deve preparar um guião para reconhecimeNto da Palestina”, sustentou, realçando que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, admitiu isso numa audição parlamentar esta terça-feira. Portugal deve ter uma política externa da “coragem” e “não da cobardia”, vincou.

E com esse passo, é uma forma de “dizer ao mesmo tempo não ao extremismo do Hamas e não ao extremismo de Netanyahu e a alguns dos seus ministros no Governo”. “Desde o rio até ao mar todos devem ser livres em segurança de acordo com a sua identidade nacional”, acrescentou.

Foi um debate ruidoso, marcado por vários apartes, nomeadamente do CH. Mas o liberal Rodrigo Saraiva e Rui Tavares protagonizaram também uma troca de acusações. O deputado da IL admitiu que o reconhecimento unilateral do Estado da Palestina neste momento não resultaria numa paz duradoura para a região, sendo fundamental a existência de “negociações” para o fim do conflito, assim como o reforço da Autoridade Palestiniana. Mas não deixou de atirar ao Livre, que acusou de ser “extremista” e “sonso” em relação a esta matéria, defendendo apenas a causa palestianiana, como demonstrou o ex-cabeça de lista às Europeias, Francisco Paupério, que chegou a sair em defesa da negociação com o Hamas. Isso é uma “política rasteirinha”, respondeu Tavares, lembrando que o ex-candidato a Belém, Tiago Mayan, congratulou-se com a eleição de Javier Milei na Argentina.

Em linha com a IL, também o deputado Paulo Neves do PSD e Pedro Pinto do CH, consideraram que o Governo português está a assumir uma posição “equilibrada” relativamente a esta matéria. “Reconhecer agora o Estado da Palestina não parece oportuno nem que sirva os interesses da paz”, advogou o social-democrata, sublinhando a “prestigiada” diplomacia lusa que tem assumido um papel “discreto”, mas garantindo um papel de “mediador sério”. “Não é altura do reconhecimento do Estado da Palestina. Não é o momento a meio de uma guerra”, disse perentório o líder da bancada do CH.

Consequências do não reconhecimento são “graves”, alerta Bloco

Pelo Bloco, Marisa Matias admitiu que a solução de dois Estados não se irá traduzir numa paz imediata e duradoura para a região, mas alertou que as consequências de não reconhecer já o Estado da Palestina são mais “graves e ”reais". “É não dar um sinal que possa permitir parar esta matança e, de certa forma, alimentar de forma totalmente indireta esta matança por parte de Israel. ”A solução do Estado da Palestina tem sido boicotada por Israel nos últimos 30 anos. Netanyahu voltou a referir que recusa totalmente os dois Estados. O reconhecimento do Estado da Palestina é um sinal político fundamental para poder iniciar o ciclo de paz e libertação do povo palestiniano", assegurou.

A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, realçou igualmente o “genocídio" e ”crime humanitário" sem precedentes em Gaza, afirmando que a complexidade da situação na região não pode servir de “cortina de fumo” a uma decisão que deve ser tomada pelo Estado português.

Na mesma linha, a comunista Paula Santos condenou as “atrocidades” contra o povo palestiniano e instou o Governo português a dar esse passo, sob pena de revelar “cumplicidade” com os atos perpetrados pela ofensiva israelita. “De que é que está à espera Portugal para dar um contributo decisivo para que se cumpram as resoluções da ONU? Está à espera do aval dos EUA, da UE e de Israel, deitando por terra a nossa soberania?”, atirou.

Apontando para o direito à autodeterminação dos povos, a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, disse que se exige que o Executivo português dê já esse passo e deixe de integrar uma “minoria”, depois de a maioria dos países da ONU já o terem feito, até porque a “violência não começou no ano passado, foram décadas de barbárie contra o povo palestiniano”.

O ministro dos Assuntos Parlamentares não hesitou em responder à letra à comunista, colando o rótulo de “radicalismo” e “extremismo” ao partido face a posições assumidas ao longo da sua história. “É particularmente inaceitável vindo do PCP, partido que ainda não teve a hombridade de reconhecer o erro histórico de andar a suportar regimes sanguinários em todo o mundo”, atacou.

A encerrar o debate, a líder parlamentar do Livre não escondeu a comoção e leu grande parte das palavras finais com a voz embargada e em lágrimas, recordando as vítimas do conflito. “De uma prisão a céu aberto Gaza passou a ser um inferno a céu aberto e eu não sei como se reconstrói um país depois dessa destruição”, exclamou, antecipando um trauma coletivo para várias gerações.