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PSD não avança com inquérito à atuação do SIS no caso Galamba, PS admite que possa ter havido "erro"

Com várias referências cinematográficas à mistura, a Assembleia da República debateu esta quarta-feira a criação de uma comissão para avaliar a forma como as secretas agiram na noite de 26 de abril. Todos os partidos mostraram abertura, menos o PS que vai chumbar as propostas de Chega e IL: “Não se corrige um erro com outro erro”, defendeu o deputado Pedro Delgado Alves

A deputada do PSD, Mónica Quintela, interpela o Governo durante a apresentação do programa do XXIII Governo Constitucional na Assembleia da República, a 7 de abril de 2022
TIAGO PETINGA

O PS reconheceu esta quarta-feira que pode ter havido “um erro” na atuação dos Serviços de Informação e Segurança (SIS) no chamado caso Galamba, em concreto na recuperação do computador de trabalho do ex-adjunto Frederico Pinheiro. "Até podemos chegar à conclusão que houve falhas, mas reconhecer um erro num serviço não significa que todos estejam a funcionar mal ou a ser manietados pelo poder político”, disse o deputado Pedro Delgado Alves, colando-se ao discurso de Costa na noite em que não aceitou a demissão de Galamba: o Governo não tinha dado ordens, e quaisquer eventuais falhas seriam da responsabilidade dos operacionais e não dos políticos.

“Não se corrige um erro com outro erro”, afirmou o deputado socialista, lembrando que a legislação das secretas tem sido robustecida ao longo dos últimos anos no sentido de dar mais garantias aos cidadãos. O “outro erro” a que se referia e que considera necessário evitar é a criação de uma comissão parlamentar de inquérito à intervenção do SIS neste caso, tal como estava a ser discutido em plenário por proposta de Chega e da Iniciativa Liberal (IL). O PS pode, por agora, descansar: o seu voto contra as propostas destes dois partidos garante a sua rejeição e o PSD, ainda que vá votar a favor, afasta para já usar os meios ao seu dispor para forçar a constituição de um inquérito parlamentar.

O PSD não tomará nem tomou a iniciativa de propor uma comissão parlamentar de inquérito, mas o PSD não pode caucionar o comportamento do Governo e não o vai fazer. Por isso, apesar de não ser a nossa opção (…) não nos oporemos e votaremos a favor destas iniciativas”, anunciou a deputada do PSD Mónica Quintela, no debate parlamentar. A votação das propostas é feita nas votações regimentais de sexta-feira.

O PSD é o único partido da oposição a ter os 46 deputados (um quinto dos parlamentares eleitos) necessário ao uso do direito potestativo para a criação de uma comissão de inquérito. O líder parlamentar, Joaquim Miranda Sarmento, já tinha remetido uma decisão sobre essa possibilidade para setembro, mas agora Mónica Quintela deixa cair de todo essa possibilidade. Ainda assim, aproveitou para reafirmar a posição já por duas vezes tornada pública pelo líder do PSD,Luís Montenegro, no sentido de retirar confiança à secretária-geral dos Serviços de Informações da República Portuguesa (SIRP).

“Nem as palavras, nem os documentos remetidos pelo primeiro-ministro são esclarecedores”, disse Mónica Quintela. Mas mesmo sem os esclarecimentos pedidos, o PSD não vai propor comissão de inquérito. Prefere, por agora, remeter as declarações de João Galamba na CPI da TAP para o Ministério Público. Para o PSD os acontecimentos "rocambolescos" das Infraestruturas são “dignos de figurar numa comédia policial de segunda categoria.” “O Governo transmitiu a mensagem aos cidadãos de que nos ministérios acontecem autênticas cowboyadas", afirmou a deputada, adiantando que o partido vai votar a favor da criação da comissão – “apesar de não ser a nossa opção”.

As referências cinematográficas foram uma constante no debate desta quarta-feira. “Parece um filme de gangsters, mas não é: é o PS a gerir o país”, acusou André Ventura, tendo o cuidado de se distanciar de eventuais críticas aos agentes do SIS: “Esta comissão nunca será sobre a atuação de um simples operacional, mas sim sobre a insistência cega na mentira e aldrabice por parte do Governo”, afirmou.

“A comédia tornou-se numa questão de República”, afirmou o líder do Chega, referindo-se à recolha do computador do ex-adjunto Frederico Pinheiro “sem base legal” por parte do SIS – uma opinião que foi partilhada por todos os partidos à exceção do PS. “Os ministros fizeram um triste espetáculo ao demarcarem-se das responsabilidades, e agora temos um país inteiro que não sabe quem deu a ordem e com que base legal num serviço tutelado pelo primeiro-ministro”, continuou Ventura, arrasando toda a sequência de explicações governamentais – desde as explicações do ministro João Galamba à versão de Mendonça Mendes – sobre os contactos feitos naquela noite.

“Que se lixe o país, vocês só querem proteger o primeiro-ministro e o [ministro] Galamba, mesmo que isso implique encobrir crimes que foram cometidos e que vocês não querem expostos”, haveria de dizer mais à frente.

“Os portugueses não querem um SIS ao serviço do partido do poder”, disse, por sua vez, o líder parlamentar da IL Rodrigo Saraiva na sua intervenção inicial em defesa da proposta do partido. As palavras não eram suas: estava a citar um pedido de deputados do PS de 1994 justamente para a criação de uma comissão de inquérito ao SIS durante o Governo de Cavaco Silva.

“O Partido Socialista esteve muito bem há 28 anos, e estas palavras podiam ser usadas hoje exatamente pelos mesmos motivos”, apontou o liberal, sublinhando a “incapacidade” do Governo para conduzir o caso das secretas de forma “responsável” e salientando que a fiscalização das entidades estatais tem de estar “no topo das prioridades políticas e parlamentares”. “É o dever e obrigação de todos nesta casa”, garantiu.

PCP propõe nova forma de fiscalização das secretas

Rui Tavares, do Livre, também referiu a sétima arte: “Os cidadãos precisam de ser esclarecidos sobre se temos serviços de informações ou serviços secretos ao estilo de Hollywood, onde resolvem problemas dos governos pela calada da noite”, afirmou o deputado único do Livre, criticando a forma como o Governo tem evitado dar esclarecimentos.

O Bloco de Esquerda focou a sua intervenção na atuação do órgão responsável por fiscalizar o SIS: “É grave que o Conselho de Fiscalização do SIRP tenha prontamente atestado a atuação [do SIS] sem indicar o fundamento legal, sem ouvir o visado e sem contraditório”, referiu a deputada Isabel Pires, sublinhando que “a sucessão de explicações trapalhonas [dos ministros] não ajuda a resolver o essencial: não há base legal para uma operação desta natureza”.

Se a comissão fosse criada, os bloquistas vão remeter todas as suas conclusões à Procuradoria Geral da República (PGR) – que aliás já está a investigar os acontecimentos, como lembrou Inês Sousa Real, deputada única do PAN, para quem a comissão pode significar uma “duplicação de competências”. Além disso, a deputada lembrou outros casos em que a atuação do SIS esteve sob suspeita – incluindo “denúncias de vigilância a partidos da oposição no tempo de Cavaco Silva” – para concluir que a iniciativa do Chega e da IL é “curta”. “Há várias outras perguntas que ficam no ar”, concluiu.

Concordando com a tese da “atuação ilegal” e condenando as “respostas evasivas e disparatadas” do Executivo, o PCP focou-se numa proposta de alteração legislativa: em vez do SIS ser fiscalizado pelo Conselho de Fiscalização do SIRP (cujos membros têm de ser eleitos por dois terços da AR), como acontece neste momento, deveria haver uma “fiscalização direta por parte do Parlamento”, tal como acontece noutros países. “Isso iria permitir que a AR não chegasse constantemente a um bloqueio, que é o segredo de Estado. Tememos que essa limitação vá impossibilitar a retirada de consequências efetivas”, afirmou a deputada comunista Alma Rivera.