Durante o debate da moção de censura de quarta-feira e nas presenças mediáticas logo a seguir ao anúncio do Presidente, vários dirigentes socialistas defenderam repetidamente que a ida a eleições era da responsabilidade do primeiro-ministro e que não pretendiam voltar à campanha eleitoral. Contudo, o PS prometeu na mesma que iria votar contra a moção de confiança do Governo, o que levará, inevitavelmente, à queda do executivo.
Mas existem alguns socialistas que, nos seus diferentes espaços de comentário, continuam a salientar que o PS deve fazer tudo para evitar uma ida às urnas. Fernando Medina, por exemplo, disse ao “Now” que ir novamente a eleições demonstra “uma realidade política com enormíssimas dificuldades de governabilidade”.
“Não é natural Governos com tão curtos ciclos de mandatos, que não podem desempenhar cabalmente a sua função de defender e aplicar o seu programa, desenvolver as reformas pelas quais foram eleitos e depois de serem julgados pelos portugueses no tempo devido, que é o tempo de quatro anos”, disse o ex-ministro das Finanças socialista.
Já António José Seguro, que continua sem confirmar se será candidato à Presidência da República (disse que o impacto no calendário sobre a sua decisão é “o menor dos problemas que existem”), avisou no seu espaço de comentário na “CNN” que “o país não aguenta tantas eleições em tão pouco tempo” e exigiu que os atores políticos “consigam criar respostas” para os reais problemas dos portugueses, que estão “atónitos”.
“Ir para eleições pode ser uma opção, mas não é uma resposta, até porque não fica claro se não ficar tudo na mesma”, sublinhou, perspetivando que os resultados das eleições sejam quase os mesmos e que não resultem numa maioria clara de qualquer um dos blocos. Mostrando-se agastado com o desgaste da polémica, criticou mais a falta de diálogo entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, do que o caso em questão da empresa da família de Montenegro, sobre o qual já se está a “chorar sobre o leite derramado”.
Seguro, fiel à imagem que tem procurado criar, de aproximação ao centro e de colaboração entre esquerda e direita, lamentou ainda o que considera ser uma “cultura de trincheira” no Parlamento, que afirmou estar “demasiado pulverizado e fragmentado”. Por isso, pediu uma solução à Alemanha, em que os dois maiores partidos estão a negociar uma coligação para governar o país, ou outras coligações que permitam dar mais estabilidade. “Precisamos de encontrar soluções de governabilidade e que se volte a esta cultura de compromisso”, disse o antigo secretário-geral do PS. Deixou, contudo, um aviso sobre o antigo Bloco Central, ao defender que “maiorias de interesses para perpetuar o poder não interessam”.
Na SIC Notícias, Pedro Adão e Silva lamentou o posicionamento de Luís Montenegro e atacou “esta ideia ‘à la Trump’, de que as eleições servem para restituir avaliações de outra natureza”. Mas também dirigiu uma palavra ao próprio partido, por propor uma Comissão Parlamentar de Inquérito, apontando que “a parajudicialização parlamentar não é um bom caminho.”
“Não há mais nada para perguntar ou para responder. Eu acho que o essencial e o suficiente para se perceber que Montenegro não tem condições para ser primeiro-ministro já está esclarecido”, disse o ex-ministro da Cultura.
Adão e Silva foi talvez o mais claro dos três sobre o que o PS deve fazer para evitar eleições, ao declarar que os socialistas deviam, por exemplo, permitir que o Presidente nomeie um novo primeiro-ministro do PSD, embora perceba que isso “não vai acontecer”. “Eu gostaria - acho que isso seria um funcionamento normal e regular das instituições - que isso fosse possível”, comentou.
Apesar da frontalidade com que os protagonistas lamentaram a quase inevitável ida a eleições, deixaram claro, no geral, que acreditam que a responsabilidade do ato eleitoral é primariamente do primeiro-ministro. Fernando Medina, por exemplo, disse ter "dificuldades em perceber" como é que Montenegro não precaveu a situação e não se desfez da empresa da sua família mais cedo, logo quando chegou ao cargo.
“Luís Montenegro tem experiência para saber que este é o tipo de coisas que tende a levantar um conjunto de polémicas sobre o qual depois é difícil de sair”, afirmou, notando que o chefe de Governo “tinha condições para antever que era uma zona de risco”. E Adão e Silva não acredita na tese de Montenegro e dos sociais-democratas, que a Spinumviva, empresa criada pelo primeiro-ministro com a sua família, seja uma simples aventura empresarial, falando de uma "ficção". “Só vejo vantagens em que pessoas que vão para a atividade política e que tenham cargos governativos tenham uma vida e uma biografia uma vida empresarial, privada. Infelizmente, não é o caso. Peço imensa desculpa, mas a biografia de Luís Montenegro é exclusivamente na política. Nessa não caio”, disse.