Política

“Demasiado vago”, um “grande envelope com pouco conteúdo”, um mero “conjunto de intenções”: as críticas dos partidos ao pacote anticorrupção

Oposição critica documento do Governo com 32 medidas para combater a oposição. Além do PSD e CDS, só o Chega aplaude o pacote e reclama “vitória” para o partido

José Fernandes

O PS, o Bloco, o PCP e a Iniciativa Liberal (IL) apontam críticas ao pacote anticorrupção, aprovado esta quinta-feira pelo Governo, considerando que se resume a um mera carta de intenções. Já o Chega (CH) saúda as medidas, a começar pela penhora de bens sem condenação prévia, reclamando uma “grande vitória” para o partido.

Pelo PS, Alexandra Leitão destacou pela positiva a regulamentação do lobbying e a pegada legislativa, recordando que houve tentativas de avanços nesse sentido na anterior legislatura. Mas considerou que o pacote anticorrupção é "demasiado vago" e inclui "medidas de continuidade" de anteriores Governos, mas também outras que levantam "dúvidas" como o confisco de bens em casos de corrupção, sem condenação prévia.

"Este independentemente de condenação naturalmente deixa-nos com algumas dúvidas, quer relativamente à presunção de inocência, quer relativamente ao que é que acontece se a pessoa é absolvida, e, portanto, acho que é um aspeto que como já tínhamos referido consideramos linha vermelha", disse a líder da bancada socialista, em declarações aos jornalistas, no Parlamento.

Os mecanismos premiais previstos levantam igualmente dúvidas ao PS, podendo vir a assumir um alargamento na fase de inquérito. “Relembramos aqui que a fase de inquérito não tem intervenção de um juiz e não tem contraditório e o alargamento dos mecanismos premiais numa fase que não tem intervenção de juiz e que não tem contraditório suscita-nos também dúvidas”, salientou, apontando ainda para a revisão da fase de instrução. “A instrução são as garantias. Achamos bem que seja reequacionada, mas sem que o juiz das garantias, que é o juiz de instrução criminal, perca poder no âmbito do processo”, justificou.

A partir dos Passos Perdidos, Alexandra Leitão deixou ainda alertas sobre uma possível aproximação do Governo AD ao CH, afirmando que essa eventual “aliança ocorre talvez numa das piores matérias em que pode ocorrer, que é numa matéria de Estado de Direito, de Regime e de Justiça. Se for esse o sinal, é mesmo numa das áreas piores em que isso possa acontecer”.

Combater a corrupção, sempre, melhorar o funcionamento da Justiça nesse aspeto, sempre. Mas atenção, ceder ao populismo seria um péssimo serviço feito ao Estado de Direito e com essa cedência ao populismo o PS nunca compactuará”, avisou.

Para a bloquista Mariana Mortágua, o documento apresentado resume-se a um “mero PowerPoint”, sendo impossível o Governo travar a corrupção sem incluir o combate aos offshores no pacote. “Como é possível arrestar bens, quando há forma de estes bens serem escondidos através de offshores?”, questionou a coordenadora do BE, nos Passos Perdidos, apontando para escritórios de contabilidade e sociedades de advogados que servem para esconder dinheiro proveniente de atos ilícitos.

É impossível combater a corrupção, sem combater os offshores. São os offshores que permitem esconder o dinheiro da corrupção”, reforçou. Falando num conjunto de intenções, Mariana Mortágua disse que o atual Governo aprendeu com o anterior Executivo de maioria socialista. “O Governo apresentou um PowerPoint, com medidas sem nenhuma concretização”, atirou.

Na mesma linha, o deputado comunista António Filipe criticou o pacote anticorrupção, considerando que é um “grande envelope para pouco conteúdo”. O âmbito e alcance das medidas propostas é “muito exíguo”, enfatizou, lamentando ainda que o combate às portas giratórias e o combate aos paraísos fiscais não conste desta Agenda Anticorrupção.

Por outro lado, a regulamentação do lobbying, advogou, não tem potencial no combate à corrupção, “muito pelo contrário”. “Parece tudo uma espécie de revisão da matéria dada, não traz grande novidade. Há medidas até incompreensíveis, temos que esperar que haja concretização, medidas concretas”, notou o deputado do PCP.

Também a líder parlamentar da IL, Mariana Leitão, admitiu que o pacote anunciado pelo Governo se resume a um conjunto de intenções e destacou pela negativa a intenção de confiscar bens em casos de corrupção sem condenação prévia.

A medida, alertou, “atenta a presunção de inocência” e o direito à propriedade privada". Sem terminar o julgamento e um arguido ser declarado culpado pelos crimes de corrupção pelos quais está acusado, não pode ser alvo de penhora de bens. “Esta matéria é alvo de uma das nossas críticas, iremos manifestar-nos, e nunca dar o nosso apoio”, assegurou.

A liberal insistiu que a medida vai contra a presunção de inocência e o direitos das pessoas arguidas, só podendo haver espaço para o confisco de bens após uma pessoa ser julgada e condenada. “Antes disso não faz qualquer sentido criar essa situação”, repetiu.

Chega reclama louros por medidas

Em sentido contrário, manifestou-se André Ventura, elogiando o conjunto de medidas anunciadas pelo Executivo de Luís Montenegro, nomeadamente o confisco de bens sem necessidade de condenação prévia, uma das propostas do partido. “É uma grande vitória do CH”, reclamou, acrescentando que está em causa também uma vitória para o país, uma vez que são crimes com prejuízos elevados para o erário público.

O líder do CH congratulou-se também com a regulamentação do lobbying e aproveitou para alfinetar o PSD, lembrando que na anterior legislatura se absteve na votação de diplomas para regulamentar a representação legítima de interesses.

Registo as boas intenções que se aproximam do programa do CH em área tão importante para país, o combate à corrupção sem tréguas, limites ou cedências”, declarou,

Ventura aplaudiu ainda o aumento do período de inibição para políticos ocuparem cargos públicos em casos de corrupção, depois de o Executivo não se ter mostrado inicialmente favorável à medida. É um “recuo” do Governo e mais uma “grande vitória” do CH, atirou.

O PSD e o CDS também elogiaram naturalmente o pacote, destacando o “diálogo” do Governo com a oposição: houve uma "grande capacidade de diálogo com os partidos", sublinhou o líder da bancada social-democrata, Hugo Soares, enquanto o líder parlamentar centrista destacou pela positiva o combate ao enriquecimento ilícito através do "confisco de bens aos autores dos crimes de corrupção".