Política

Todos contra o Governo: partidos da oposição atacam "embuste" de cortes no IRS

Sobe o tom da oposição de todos os quadrantes políticos. Todos os partidos criticam os cortes do IRS anunciados pelo Governo, que dizem não corresponder ao choque fiscal que tinha sido prometido. De forma unânime, pedem esclarecimentos ao Ministério das Finanças

TIAGO MIRANDA

No que à defesa do seu “choque fiscal” diz respeito, o Executivo AD fica logo isolado nos primeiros dias de governação. Da esquerda à direita, a oposição mostrou-se expressamente contra os avanços e recuos comunicacionais do PSD. E há já dois pedidos em cima da mesa: o PS quer que os sociais-democratas apresentem explicações durante um debate de urgência no Parlamento, a acontecer na quarta-feira; o Chega, não querendo ficar para trás, elevou a parada - o ministro das Finanças deve ser escrutinado numa Comissão de Orçamento e Finanças.

Perante a falta de clareza e incoerência do Governo social-democrata, o PS vai entrar com um pedido de debate de urgência, na quarta-feira, no Parlamento, com a presença do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento. Na sede do PS, em Lisboa, Alexandra Leitão justificou-o: o PSD terá sido autor de “um embuste e uma desfaçatez”, o que tem especial gravidade “para quem fala de confiança”. A deputada defende, aliás, que o “embuste” não se limita à frustração após a comparação do choque fiscal anunciado e o corte de impostos aplicado pelo Executivo AD: “É também quanto ao que foi prometido durante toda a campanha eleitoral. Andaram a prometer o que já estava no Orçamento do Estado do Partido Socialista.”

“Não pode ter sido todo o país a enganar-se”, afirmou a líder parlamentar do PS, reagindo também às declarações de Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, e do comunicado do Governo, no qual afirmou que a descida na ordem dos 1500 milhões de euros era “verdadeira e indesmentível” e que as acusações da oposição eram “inadmissíveis e infundadas”. Alexandra Leitão vincou a discordância com esta visão dos sociais-democratas. “Este Governo tem de perceber que não pode enganar todos, todos, todos", declarou a porta-voz socialista, aludindo à expressão usada pelo Papa Francisco que Montenegro adaptou no seu discurso de tomada de posse.

Para Alexandra Leitão, é ainda “ridícula” a resposta do Governo social-democrata às acusações que surgiram nas últimas horas. “Virar as coisas dessa forma não merece muito mais comentário, e reduzir esta situação a um problema de comunicação é um eufemismo”, sublinhou. Sobre o Governo AD, posicionou-se, dizendo: “Surpreende-nos a toda a hora, vamos ver o que aí vem. Quebrou a confiança de todo o país.” Começou "muito, muito mal”, concluiu.

“Governo deu provas de não merecer confiança”

André Ventura, que quer disputar a liderança da oposição, também fez referência a uma quebra de confiança operada pelo Executivo. Mas, em resposta ao pedido de um debate de urgência no Parlamento avançado pelo PS, Ventura resolveu “chamar já, no primeiro dia”, a pasta das Finanças do Governo AD a justificar-se durante uma Comissão de Orçamento e Finanças, com Miranda Sarmento e a secretária de Estado dos Assuntos Fiscais, Cláudia Reis Duarte. O representante do partido defende que os debates de urgência não servem para esclarecer situações desta natureza. “Joaquim Miranda Sarmento terá de explicar o que ontem se furtou responder”, argumentou Ventura, falando de uma “promessa feita sobre outro Orçamento do Estado”

“Desilusão e uma enorme quebra de confiança política”: foi assim que André Ventura interpretou o “equívoco” de que falaram os sociais-democratas e que é, na verdade, o desencontro entre os 1500 milhões de euros de alívio fiscal anunciados e o corte de cerca de 200 milhões no IRS que serão realmente da responsabilidade do Governo social-democrata, não estando já previstos pelo orçamento socialista. O presidente do Chega garante que o escrutínio do partido sobre as propostas do PSD será mais apertado a partir de agora, começando com a análise do Programa de Estabilidade e do Orçamento, seja com ou sem retificativo. “A confiança tem de ser ganha dia a dia, documento a documento”, declarou. “O Governo deu provas de não merecer essa confiança.”

A oposição do Chega vai intensificar-se, a avaliar pelas declarações do seu presidente. André Ventura apontou o dedo ao governante Joaquim Miranda Sarmento, por ter mostrado “pouco jeito e pouco tato”, mas foi ao primeiro-ministro que dedicou as suas palavras mais duras: “Senhor primeiro-ministro, não nos faça arrepender do voto de confiança que ainda ontem recebeu no Parlamento. O que ocorreu é grave, e mostra como os partidos que formam maiorias podem quebrá-las.” Para o Chega, tornou-se evidente: “Não pode haver cheques em branco nem cheques sem cobertura. O Chega vai fiscalizar todas as propostas e documentos apresentados na Assembleia da República.”

O “retoque fiscal” e “os lucros das grandes empresas”

A AD está mais isolada depois de também o líder da Iniciativa Liberal ter reagido ao que, no seu entender, não constitui sequer uma surpresa, dado que os liberais vinham alertando para este facto desde agosto do ano passado, quando o PSD revelou a sua proposta de descida do IRS. “Nós esclarecemos logo na altura. Para a classe média, para quem ganha 1200, 1300, 1500 euros brutos e está fora do IRS jovem, esta descida proposta pelo PSD vale cinco ou seis euros por mês."

"Isto não é um choque fiscal, é um retoque fiscal”, afirmou Rui Rocha. O líder da IL considera que Luís Montenegro tem de vir a terreiro esclarecer os portugueses, apesar de “já vir tarde”. “Os portugueses têm de saber com o que contam e têm de saber que isto não é nem um choque fiscal, nem uma reforma fiscal. Desde agosto de 2023 que não esclareceram isto”, disse. E vaticinou: “Creio que esta situação marca o fim do estado de graça deste Governo. Durou dois dias, mas também acontece porque as pessoas não estiveram atentas.”

Para a esquerda, a questão também é a conjugação do engano com outras medidas, que não apoia. A líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, reagiu na rede social X, afirmando que “a descida do IRS é afinal um embuste”. E acrescenta: “A única promessa que não era a brincar é a redução do IRC sobre os lucros das grandes empresas.” Mortágua faz ainda uma referência à nota da direção do Expresso.

“Nem no circo que monta para fugir ao que interessa (subir salários para todos), o Governo PSD-CDS consegue não mentir”, escreve o PCP, também na rede social de Elon Musk. Os comunistas acusam os sociais-democratas de não se enganarem nos benefícios fiscais às grandes empresas", aquele que será “o seu verdadeiro objetivo”. Para o PCP, a questão não é “a mentira no acessório”, mas o essencial da verdade do PSD: “Mãos largas às grandes empresas, não tocar nos seus megalucros, não subir salários da maioria. E aí já sabemos que o Governo não está sozinho.”

O líder do Livre também não tem dúvidas de que o equívoco sobre o choque fiscal foi provocado por Montenegro. “Eu ouvi-o bem dizer que as alterações que iriam fazer nos escalões no IRS significariam um corte fiscal de 1500 milhões de euros”, vinca Tavares. "Na apresentação do seu próprio Governo não faz sentido que estivesse a falar do que vinha do Governo anterior". O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, acabou por admitir que os 1500 milhões de euros de alívio no IRS referidos pelo primeiro-ministro não vão somar-se aos cerca de 1300 milhões de euros de redução do IRS inscritos no OE para 2024, e já em vigor, pelo que a diminuição proposta pelo PSD fixa-se em 200 milhões de euros.

O deputado e líder do Livre quer que o primeiro-ministro esclareça o que disse e por que razão o disse. Mas arriscou uma explicação: Luís Montenegro "ainda não saiu de campanha".

"Trata-se de um Governo que, pelos vistos, ainda não saiu de campanha eleitoral, e que o mesmo tipo de promessas vazias que faz em campanha também as faz na apresentação do programa do Governo", salientou.