A comissão deu a conhecer o relatório, mas ainda não está decidido: Alcochete aparece (com Vendas Novas) à cabeça do estudo da Comissão Técnica Independente para a localização do novo aeroporto de Lisboa, mas ainda não é líquido que venha a ser essa a solução definitiva escolhida pelo próximo Governo. Luís Montenegro, líder do PSD, vai criar uma equipa para estudar o estudo, depois de ter chegado a sugerir, em outubro, que a comissão não era assim tão independente. O próprio António Costa esclareceu esta semana que o poder político que aí vem pode valorizar mais um fator do que outro, mas "tem o dever de respeitar a avaliação técnica”. Alcochete agora voltou. Mas Alcochete ainda pode cair. Aliás, Alcochete já caiu duas vezes.
A última vez que esta localização ficou em suspenso foi em junho do ano passado, depois da bravata do então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, nas televisões a justificar que “é preciso é decidir”, quando o primeiro-ministro estava incontactável numa cimeira da NATO, em Madrid. "Andamos há anos demais a decidir. Já chega”, disse então o ministro na RTP, a mostrar capacidade de decisão com a publicação de um despacho a estabelecer “a construção de um aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete" como “infraestrutura aeroportuária moderna com capacidade de crescimento” a longo prazo. “O país está sistematicamente a decidir localização do aeroporto. Não havia nenhuma decisão que não fosse alvo de críticas, por isso vamos avançar", afirmava Pedro Nuno. Mas não avançou.
António Costa travou tudo e obrigou o seu ministro a fazer marcha-atrás, a apresentar-se ao país em ato de contrição e a assumir um erro. “Estas falhas tiveram consequências e causaram esta situação”, reconheceu Pedro Nuno Santos, depois de ser desautorizado pelo primeiro-ministro. “Penalizo-me profundamente”. E teve de revogar o despacho publicado pelo seu secretário de Estado, Hugo Mendes, sobre o Plano de Ampliação da Capacidade Aeroportuária da Região de Lisboa. Apesar de tudo, António Costa segurou-o: “Até os políticos são humanos e cometem erros, o mais importante é que quando ocorrem se tenha consciência deles e que se corrijam”.
E foi na correção do erro que António Costa voltou a envolver o PSD no processo do aeroporto, depois de Pedro Nuno Santos ter afastado o líder social-democrata do consenso aeroportuário com a sua rapidez decisória. “Não iremos trabalhar, seguramente, sobre uma solução, porque há ‘n’ soluções que têm sido discutidas. Provavelmente, o dr. Luís Montenegro até poderá vir com uma nova ideia que nunca tenha sido devidamente avaliada no passado”, disse então Costa. Na reunião que tiveram depois, definiram “uma metodologia de trabalho”.
Foi aí que nasceu a Comissão Técnica Independente de cuja independência agora Montenegro desconfia e que voltou a colocar Alcochete como a opção mais bem cotada. E que já levou Pedro Nuno Santos a repetir o que dissera há ano e meio: “Há sempre uma boa razão para esperar mais um dia, para ouvirmos mais alguém, para fazer mais um estudo, para organizar uma comissão ou um grupo de trabalho. Temos de decidir”, disse Pedro Nuno Santos em entrevista ao Expresso. Se for Pedro Nuno o próximo primeiro-ministro, é mais seguro que seja Alcochete a avançar.
Um aeroporto no deserto
Naquele tempo, era a Ota. Era no tempo de José Sócrates e do ministro das Obras Públicas Mário Lino, corria o ano de 2007 e o PS governava com maioria absoluta. A decisão estava tomada. Mas quando se começou a falar em Alcochete, o governante fez aquele célebre discurso: “Construir um aeroporto na Margem Sul, jamais, jamais”, porque é um “deserto”: “Fazer um aeroporto na margem Sul seria um projeto megalómano e faraónico, porque, além das questões ambientais, não há gente, não há hospitais, não há escolas, não há hotéis, não há comércio, pelo que seria preciso levar para lá milhões de pessoas”. Estávamos em maio de 2007 e, seis meses depois, o ministro havia de engolir estas palavras.
Em outubro desse ano, a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), apresentava um estudo (mais um), com o patrocínio do então Presidente da República, Cavaco Silva, a defender a opção por Alcochete, que permitiria poupar 3 mil milhões de euros em relação à opção da Ota. Ao mesmo tempo, a Associação Comercial do Porto, então presidida por Rui Moreira, avançava com outro relatório a defender a solução Portela+1.
Com o relatório apoiado por Cavaco na mão, José Sócrates acabaria por mudar também de opinião, para se decidir pelo aeroporto no “deserto” da Margem Sul: Alcochete.
Três anos depois, no entanto, veio a quase bancarrota, o resgate, a troika e o Governo de Pedro Passos Coelho. A ANA foi privatizada e comprada pelos franceses da Vinci, enquanto o secretário de Estado Sérgio Monteiro tutelava um grupo de trabalho (mais um) para estudar uma solução mais barata, de um aeroporto complementar à Portela, como tinha anos antes sugerido Rui Moreira.
E Alcochete caiu. Passou a vingar a hipótese Portela + Montijo, a solução que António Costa herdou em 2016 e manteve, mas que acabou por ter oposição… do líder do PSD, que era então Rui Rio. Mas também das autarquias comunistas abrangidas pela Base Aérea do Montijo. Esta solução, preferida pela ANA e pela Vinci, esteve em cima da mesa exatamente até Pedro Nuno Santos avançar como ministro free-lance para a recuperação de Alcochete.
Agora, parece haver dois caminhos, dos quais se livrou António Costa que chegou a gracejar: “Percebem a minha inveja de não ser eu o decisor político?” O caminho de Pedro Nuno Santos, se for ele a ganhar o PS, é claro. O de Luís Montenegro é que ainda não se sabe qual é. “Não é comissão técnica que toma uma decisão. Tem de nos habilitar com os elementos para tomar uma decisão”, disse o líder do PSD, minutos antes de ser apresentado o relatório. Se ganhar as legislativas, o líder do PSD tenciona decidir sobre o novo aeroporto rapidamente e com “consenso multipartidário o mais abrangente possível”. Resta agora saber o que é “possível”.