A tarde desta sexta-feira agitou-se com o veto de Marcelo Rebelo de Sousa ao diploma do Governo sobre a reprivatização da TAP. O Presidente da República quer ver esclarecidas dúvidas em relação à “capacidade de acompanhamento e intervenção do Estado numa empresa estratégica como a TAP”, na “questão da alienação ou aquisição de ativos ainda antes da privatização” e na “transparência de toda a operação”.
Poucos minutos depois, António Costa enviou uma nota às redações garantindo que as “preocupações” do Presidente seriam “devidamente ponderadas”. Da parte dos partidos, as reações ao veto presidencial também não tardaram. Com posições bastante cimentadas em relação à companhia aérea, a direita voltou a reafirmar o apoio à privatização sem deixar de criticar a “falta de transparência” do Governo em todo o processo. Já a esquerda aproveitou o momento para pedir um novo debate “sério” e “plural” sobre o futuro da TAP que possa levar a uma reversão da decisão do executivo socialista.
PSD considera veto “mais um episódio da novela que dura há oito anos”, IL pede privatização a 100% “legal e transparente”
“Mais um episódio numa novela com oito anos de ziguezagues, incertezas, enorme opacidade”, esta foi a primeira reação do PSD ao veto presidencial o decreto do Governo com as regras para a privatização da TAP. Apesar do principal partido da oposição ser a favor da total privatização da companhia aérea, Miguel Pinto Luz, deputado do PSD, pareceu concordar com as dúvidas levantadas por Marcelo Rebelo de Sousa. “Os pontos que o Presidente da República aponta para a devolução do diploma são as características e a marca de água da governação socialista dos últimos oito anos: incapacidade de acompanhar a TAP de forma clara e objetiva (…) e a falta de transparência de todo o processo”, disse o social-democrata à RTP.
Também a Iniciativa Liberal veio concordar com a exigência de “transparência” pedida por Marcelo Rebelo de Sousa. “Logo no início das reações ao diploma em setembro, a IL foi o único partido que alertou para a transparência do processo porque pareceu muito estranho o Governo ter dito que iria negociar com os interessados e depois iria fazer um caderno de encargos. Fazer caderno de encargos como se pudesse estar adaptado a uma proposta de alguém pareceu-nos muito estranho”, disse Bernardo Blanco. O deputado liberal voltou a defender uma privatização da companhia aérea “a 100%”, contudo sublinhou que o “processo tem de ser legal e transparente”.
Bloco espera relance de debate "plural e democrático”, PCP pede a reversão de “crime económico”
As posições dos partidos à esquerda do PS em relação à TAP são amplamente conhecidas: tanto Bloco de Esquerda como PCP defendem que a companhia aérea se mantenha pública e votaram contra a nova reprivatização levada a cabo pelo PS. Agora, com o veto do presidente da República (PR) ao documento do Governo, ambos os partidos renovam a força para travar o processo. “A probabilidade de uma TAP privatizada retirar centralidade ao nosso país em rotas internacionais é uma certeza. É preciso não haver teimosias quando ainda vamos a tempo de impedir mais uma decisão danosa para o interesse publico”, disse ao Expresso José Gusmão, eurodeputado bloquista. Também Vasco Cardoso, membro do comité central do PCP, defendeu que aquilo que Marcelo “quer precaver” não é possível se a privatização seguir em diante. António Costa já veio responder às “preocupações” do PR que serão “devidamente ponderadas”.
“As preocupações do PR não se resolvem com um caderno de encargos cheio de boas intenções, à semelhança do que aconteceu com privatizações anteriores. Toas as empresas privatizadas são tidas na ótica do lucro e não serviço público”, defendeu José Gusmão. Entre os argumentos para manter o Estado como principal acionista da companhia aérea, o bloquista destaca o facto de a TAP ser uma empresa “que contrata muitas outras empresas em Portugal”, “um dos principais centros de qualificação” e prestar “serviços a uma parte significativa da população”.
Também o comunista defende que a empresa é “dos únicos instrumentos de soberania que resta ao país”, é o “maior exportador nacional pela ligação à diáspora e pela coesão nomeadamente na ligação às regiões autónomas da Madeira e Açores” e “representa milhares de postos de trabalho indireto”. “A TAP está hoje sobrecapitalizada, está a ter receitas positivas, tem futuro. E é neste momento que o Governo pretende vender uma das últimas empresas nacionais que só existe porque está na mãos do Estado, no privado já teria desaparecido”, disse Vasco Cardoso à RTP.
Agora, os partidos esperam que o veto presidencial possa relançar o diálogo com o PS que conduza à reversão da decisão. “A expectativa é a de que o veto gere um debate mais plural e democrático sobre TAP e o seu papel na economia portuguesa capaz de reverter essa decisão”, adiantou José Gusmão.
Caso o Governo insista seguir com a reprivatização sem diálogo com os partidos, o bloquista apenas vê uma “obsessão” com aquilo que é “público”. O PCP endureceu o tom e falou num “crime económico para os interesses sociais” no cenário do executivo socialista se mantiver irredutível.