Política

"Era possível fazer diferente". Pedro Nuno reduzia menos a dívida e usava margem para "fazer as pazes" com professores e médicos

Se estivesse no Governo, Pedro Nuno Santos faria diferente: em vez de reduzir tanto a dívida, reduziria na medida do que estava previsto no Programa de Estabilidade. Ex-ministro defende devolução total do tempo de serviço congelado dos professores, critica falta de projeto do PSD e admite que Governo retirou argumentos ao centro-direita com o OE

José Fernandes

Começou por dizer que proposta de Orçamento do Estado apresentada na semana passada pelo Governo era “belíssima”, “equilibrada” e que tinha o condão de fazer a “quadratura do círculo”, protegendo rendimentos, reforçando prestações sociais, reduzindo impostos e ao mesmo tempo reduzindo a dívida e mantendo o excedente. Mas depois vieram os “mas” de Pedro Nuno Santos.

No espaço de comentário semanal na SIC Notícias, o ex-ministro de António Costa e putativo candidato à liderança do PS em 2026, deixou claro que “era possível fazer diferente”, nomeadamente no que diz respeito à redução da dívida pública. E fez as contas. Ora, se no Orçamento do Estado para 2023 o Governo previa chegar ao fim deste ano com um défice de 0,9% do PIB e agora afirma que vai chegar ao fim do ano com um excedente de 0,8%, tal significa um desvio de 1,7 pontos percentuais que equivale a cerca de “4 mil milhões de euros”. E seriam esses 4 mil milhões que Pedro Nuno Santos usaria para aplicar nas carreiras mais massacradas da Administração Pública, como os professores e os médicos.

“É uma margem muito importante que podia ser usada, ainda que parcialmente, para resolver problemas que o país tem, inclusive na Administração Pública”, disse, calculando que nos últimos 10 anos os médicos perderam, em média, 2,3% de poder de compra por ano, o que resulta numa perda aproximada de 20% na última década. “E isto não aconteceu só com os médicos. Isto torna muito difícil ao Estado recrutar, atrair e reter quadros qualificados”, afirmou ainda, defendendo que o Governo olhe para os salários das carreiras da administração pública não tanto como uma despesa, que é em termos contabilísticos, mas como um investimento. “Precisamos de ter as classes motivadas, é fundamental que o Estado consiga fazer as pazes com grupos profissionais que estão em guerra”, disse.

Pedro Nuno quer devolução total do tempo de serviço dos professores

Foi nesse sentido que Pedro Nuno Santos defendeu com clareza a devolução total do tempo de serviço dos professores, que esteve congelado. “O governo podia atender às reivindicações dos professores”, começou por dizer, seguindo o raciocício de uma redução da dívida pública menos acelerada do que a que Fernando Medina acaba por fazer. E aí foi cristalino: “Defendo que sim, que se deve devolver num determinado prazo e de forma faseada o tempo de serviço congelado dos professores”.

Mais: se o Governo não o fizer numa fase de “normalidade” orçamental, e até de excedente, quando o fará? “Quando o país entra numa reta de normalidade, deve procurar repor o que foi retirado em determinado momento”, disse, contrastando com o que o primeiro-ministro tem dito sempre sobre o facto de não poder fazer a devolução integral do tempo de serviço porque isso criaria desigualdades entre a carreira dos professores e as restantes carreiras da administração pública.

Segundo contas feitas pelo Ministério das Finanças em fevereiro deste ano e enviadas ao Expresso, a devolução integral do tempo de serviço (mais de 9 anos) custaria ao Estado cerca de 575 milhões de euros anuais, a que acresceriam mais cerca de 200 milhões para equiparar essa reposição às restantes carreiras da administração pública.

Para Pedro Nuno Santos, é tudo uma questão de escolhas. Apesar de ter começado por elogiar a redução da dívida pública, com muitos elogios à política orçamental que António Costa imprimiu nos últimos oito anos e em particular a Fernando Medina ("quanto menos dívida em percentagem do PIB, melhor preparados estamos para enfrentar crises"), o ex-ministro também disse que o Governo não precisava de ter sido mais papista do que o Papa.

“O Governo optou por um ajustamento mais rápido do que o próprio governo tinha previsto no Programa de Estabilidade entregue em Bruxelas [previa uma dívida de 103% e afinal chegará ao fim do ano com a dívida em 98,9% do PIB]”, disse, afirmando que se a redução não fosse tão ambiciosa, o Governo poderia “acorrer a outros setores”. Não só aos professores e médicos, como também, a título de exemplo, ao investimento em investigação e desenvolvimento que ainda está “abaixo da média” europeia.

“O Estado precisa de confiar mais nos Ministérios sectoriais e nas empresas públicas”

Questionado sobre a política de fim das cativações, em que as autorizações de investimento e despesa deixam de estar dependentes inteiramente do ministro das Finanças, Pedro Nuno Santos aplaudiu a ideia. “O Estado precisa de confiar mais nos ministérios sectoriais e nas empresas públicas e dar-lhes mais autonomia”, disse, deixando aí elogios particulares a Fernando Medina, que tem “uma vantagem face a outros ministros das Finanças”, que é ter “sensibilidade política” e ter ocupado outras pastas, além de presidente de câmara, ou seja, tem consciência da necessidade de autonomia, e sabe que mais autonomia também significa mais “responsabilização”.

“Há vários anos que vamos assistindo a desvios entre o orçamento orçamentado e o executado”, disse, atribuindo razões diversas para os atrasos nos investimentos, mas reconhecendo que uma parte dessa culpa vem do Estado e do Governo em particular. Daí a necessidade de alterar esse paradigma.

Sobre o fundo de investimentos pós-PRR, outra das novidades deste OE, Pedro Nuno Santos considerou “boa ideia”, desde que não se reduza esse fundo a um fundo de títulos de dívida pública. “Tem de servir de facto para financiar novo investimento público”. Esse é, segundo deixou subentendido, o calcanhar de Aquiles do Governo: “É fundamental que o nível de investimento público se aproxime da média da UE, e é fundamental para que a economia e o setor privado se possam desenvolver”, disse.

À crítica sobre o aumento dos impostos indiretos, Pedro Nuno Santos citou contas de analistas: entre o deve e o haver, o saldo da redução de impostos é muito superior ao aumento, além de que a redução dos impostos acontece ao nível dos impostos sobre o rendimento, e o aumento dos impostos acontece ao nível de impostos específicos que visam desincentivar o consumo (de álcool e tabaco, por exemplo), ou que visam incentivar a mudanças para automóveis mais eficientes e sustentáveis (como é o caso do aumento do IUC).

Nesse sentido, o ex-ministro e atual comentador socialista, deixou duras críticas à falta de “projeto” e de “alternativa” do PSD. “As declarações do líder do PSD são inusitadas, exóticas, e até prefiro não as comentar”, começou por dizer, referindo-se à célebre frase de Luís Montenegro sobre o Orçamento “pipi e bem arranjadinho”. “O que se denota das reações fracas e confrangedoras do líder do PSD e do líder parlamentar é que o PSD não tem um projeto alternativo”, disse, admitindo que o PS “anulou a oposição do centro-direita, nomeadamente do PSD, ao fazer a quadratura do círculo” com esta proposta de Orçamento.

Prova do desnorte do PSD são as jogadas de bastidores que se têm visto nos últimos dias, com Pedro Passos Coelho a dar conta de que “está na reserva”, ou com Carlos Moedas a ter necessidade de dar uma entrevista logo a seguir a dizer que “também está aqui” e a recusar comentar se estará ou não disponível para uma recandidatura à câmara de Lisboa.

Para finalizar, uma declaração sobre a guerra entre Israel e o Hamas, na Palestina: “Faço uma condenação veemente, sem ‘mas’, ao ataque do Hamas sobre Israel”, disse, recusando qualquer hesitação nessa matéria e usando a formulação que tem sido usada pela ONU e por António Guterres, e que também foi citada por Francisco Assis: “Não se responde à barbárie com barbárie” e “Israel tem direito à sua defesa, mas dentro do respeito do direito internacional”, disse, criticando ainda Carlos Moedas por ter procurado equiparar a posição do BE e do PCP a um partido como o Chega. “Não há nenhum português com seriedade capaz de dizer que o BE e o PCP são partidos racistas ou xenófobos”.