Política

O Conselho Europeu de Zelenski: Apoio até à vitória, numa difícil gestão de expetativas

O dia foi do Presidente ucraniano. Brilhou em Bruxelas, foi acolhido pela família europeia e conseguiu reforçar o apoio a Kiev. Mas há linhas que continuam a ser vermelhas, como o envio de caças ou os atalhos para a adesão

POOL/Reuters

O presidente ucraniano regressa a Kiev com a garantia, várias vezes repetida, de que a União Europeia (UE) está e estará ao lado da Ucrânia "até à vitória" - palavras do Presidente francês Emmanuel Macron. Em Bruxelas, Volodymir Zelensky teve honras de estrela rock. Um superstar aplaudido e aclamado no Parlamento Europeu. Nas galerias e corredores faltou espaço para os funcionários que o queriam ver passar e o hemiciclo encheu com eurodeputados de telemóvel na mão para captar o momento.

Sob fortes medidas de segurança seguiu para o Conselho Europeu, onde teve o palco que nunca nenhum outro líder de um país terceiro teve. Ficou na foto de família, viu o discurso aos líderes ser transmitido em direto - algo nada usual - e passou a tarde em longas reuniões bilaterais. Falou com todos. Ofuscou o resto da agenda da Cimeira.

O dia foi histórico, ainda que mais na forma do que no conteúdo. Faltaram as novidades a anunciar - a UE não está preparada para prometer negociações de adesão, nem caças - mas Zelensky trazia um objetivo claro e cumpriu-o. Num discurso europeísta, lembrou os pais fundadores - Robert Schuman e Jean Monnet - para insistir que o lugar da Ucrânia é no projeto europeu. "O modo de vida europeu está em perigo", argumenta, e "só uma vitória comum" sobre a Rússia garante que os valores europeus são protegidos. Putin é uma ameaça repetida e não só à Ucrânia, mas também à independência da Polónia ou dos Bálticos".

Zelensky carrega no acelerador da adesão. Insiste. Sabe que o processo é em regra lento, demorado, mas quer dar já este ano o próximo passo: a abertura das negociações de adesão. "Este ano, 2023", repete na conferência de imprensa ao lado do presidente do Conselho Europeu. Charles Michel não se compromete. Diz que os líderes vão analisar do final do ano. Já o tinha dito em Kiev na semana passada e não tem mandato para se alongar nas promessas.

Gerir as expectativas de adesão

O processo de adesão necessita um consenso que não existe. E os alertas são vários. António Costa fez um logo à entrada. "A pior coisa que podíamos fazer era criarmos agora grandes expectativas sobre o futuro europeu da Ucrânia e que fossem enormes frustrações a prazo”. Só que as expectativas estão criadas e, lembra Zelensky, a perspetiva europeia alimenta o moral na Ucrânia. Agora é preciso geri-las.

Ao mesmo tempo que é garantido a Zelensky que “o destino da Ucrânia é na UE”, de acordo com Charles Michel, e que “os membros da família se ajudam uns aos outros”, como afirmou Ursula Von der Leyen, é também deixado claro que não há vontade de atalhar um processo que é baseado no mérito e no cumprimento de critérios, defendeu Olaf Scholz, chanceler alemão, e objetivos. A atribuição em tempo recorde do estatuto de país candidato, em junho, teve um forte dose política, os 27 não parecem querer repetir a velocidade.

O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte avisa que "não pode haver atalhos" e que a duração do processo "é incerto". Os mais otimistas sobre a adesão da Ucrânia são a Polónia, os países do Báltico e a Irlanda. O primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, chega a dizer que a abertura das negociações de adesão ainda é "exequível" este ano, mas, mais uma vez, "é preciso que os critérios sejam cumpridos.

Gerir as expectativas militares

Volodymir Zelensky garante que "ouviu de vários líderes" a disponibilidade para lhe darem as armas necessárias, "incluindo aviões". Mas não é desta reunião em Bruxelas que sai um acordo para enviar os tão desejados caças, nem poderia ser. Há países que até estariam disponíveis para enviar se os tivessem, afirmou o primeiro-ministro letão, e os que não fecham essa porta. O primeiro-ministro eslovaco não descarta enviar caças russos Mig-29 e a Polónia está disposta, também, a enviar aviões de combate, mas apenas se houver uma decisão conjunta nesse sentido ao nível da Aliança Atlântica.

Rutte diz que "não há tabus" sobre o envio de armas, mas "existem linhas vermelhas", desde logo a "confrontação entre a Rússia e a NATO". Vários países mantêm as dúvidas sobre o envio de caças, quando ainda agora prometeram enviar tanques. O primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, argumenta que "os caças de combate são precisos para defender o espaço aéreo da NATO". E António Costa descarta o envio de F16, que estão também a ser utilizados em missões da Aliança Atlântica na Roménia.

A vontade não é feita a Zelensky - pelo menos para já - mas, mais uma vez, a gestão de expectativas leva a um reforço do compromisso com a ajuda militar, mais equipamento, munições e formação, por exemplo.

O outro pedido do presidente ucraniano passa por um reforço das sanções europeias, sobretudo para que afetem o setor da energia nuclear russa, em particular a Rosatom. É um apelo repetido, mas que continua fora dos pacotes de medidas restritivas, incluindo do décimo que está atualmente a ser preparado. Vários países dependem este tipo de energia e alegam que não têm alternativa. Será o caso da Hungria ou Finlândia.

As sanções necessitam de unanimidade e consegui-la tem várias vezes implicado tirar alvos mais sensíveis dos pacotes restritivos, como aconteceu, por exemplo, quando o nome do patriarca Cirilo, chefe da Igreja Ortodoxa russa, saltou da lista de indivíduos sancionados por imposição de Budapeste. Também os diamantes, área cara aos belgas, continua de fora.

Por outro lado, a reunião desta quinta-feira com Zelensky mostrou mais um momento de sintonia a 27. Só Itália, da primeira-ministra Georgia Meloni, não gostou de ver Macron e Scholz anteciparem-se ao encontro desta quinta-feira. Os dois encontraram-se com o presidente ucraniano na quarta-feira à noite em Paris. Para Meloni, foi "inapropriado", mas para a dupla franco-alemã foi um momento de alinhamento Paris-Berlim, quando têm sido vários os rumores de que os dois falham na sintonia.