Numa tomada de posse decorrente de uma remodelação, não há muitas palavras que sejam ditas. Um a um, os novos ministros e secretários de Estado são chamados, na presença do Presidente da República, para jurarem com solenidade e lealdade que vão cumprir a missão que lhes foi confiada. Não há discursos nem avisos. A mensagem política, como o diabo, está nos detalhes.
E os detalhes estiveram por toda a parte. Começaram na antecâmara da tomada de posse, na sala onde os ministros aguardavam a abertura de portas: Pedro Nuno Santos e Fernando Medina aproveitaram o compasso de espera para pôr a conversa em dia - imagina-se que sobre os acontecimentos dos últimos dias. Foi em tornos destes dois ministros, que estarão em lados opostos numa futura disputa interna no PS, que se desenrolou a novela da crise política que levaria à demissão do ministro das Infraestruturas - e há quem entenda que uma parte da história, a parte sobre o que Medina sabia, não sabia, ou tinha obrigação de saber, ainda ficou por contar.
Os detalhes continuaram no protocolo, que dita onde se posiciona cada um, e prosseguiram no leque de cumprimentos pós-posse, que levou António Costa e Pedro Nuno Santos a um gélido abraço de despedida e Pedro Nuno Santos e João Galamba a um contrastante e efusivo abraço fraterno. Mas os detalhes continuariam ainda no jogo de avanços e recuos entre a sala dos Embaixadores, onde Medina esperou por Pedro Nuno e Duarte Cordeiro para percorrerem juntos o corredor; a Sala das Bicas, onde estavam os jornalistas e onde Pedro Nuno se despediu pedindo algum tempo para descansar, e o parque de estacionamento, onde Pedro Nuno Santos e Fernando Medina tirariam um minuto a sós para terminar a conversa com um aperto de mão.
Começando pelo protocolo. Minutos antes das 18h, Pedro Nuno Santos chegou ao Palácio de Belém acompanhado por Marina Gonçalves, a sua antiga secretária de Estado que tomaria hoje posse como ministra da Habitação, e foi para a sala onde estavam os restantes governantes. João Galamba chegaria ainda antes acompanhado da família e, às 18h em ponto, estava tudo a postos para a cerimónia começar. É aí que entra o protocolo: Pedro Nuno Santos posicionou-se, juntamente com o ex-secretário de Estado da Agricultura, Rui Martinho, na parte da sala destinada aos governantes que estavam de saída. Eram três os que saiam, mas Alexandra Reis, cuja indemnização recebida na TAP espoletou toda a crise política, não marcou presença.
Noutro ponto da Sala dos Embaixadores, ae lado e alinhados com os futuros governantes, posicionaram-se os ministros das pastas remodeladas: Maria do Céu Antunes, da Agricultura, que tem uma nova secretária de Estado, Duarte Cordeiro, que perdeu o secretário de Estado da Energia e teve de fazer acertos no Ministério do Ambiente, e Fernando Medina, o ministro das Finanças que, horas antes, tinha sido amplamente atacado no Parlamento pelo papel que teve, ou não teve, no polémico dossiê da indemnização de Alexandra Reis na TAP. Foi neste alinhamento, e em silêncio, que se transmitiram todas as mensagens políticas.
Abraços, apertos de mão ‘à Marcelo’ e as palavras inaudíveis
A ronda de cumprimentos começa com Marcelo Rebelo de Sousa. Um a um, o Presidente da República comprimentou os oito novos governantes, os três ministros que tiveram mexidas na equipa e, por fim, os dois governantes que estavam de saída. Foi, claro, com Pedro Nuno Santos que mais se demorou naquilo que já é conhecido como um “aperto de mão à Marcelo” - um longo e intenso puxão de braço. Pedro Nuno responderia na mesma moeda e os dois trocariam ainda algumas palavras que nem os mais avançados microfones conseguiriam captar.
A ronda seguinte era de Augusto Santos Silva, mas era a terceira ronda que era mais delicada. Era a vez de António Costa. Enquanto esperava que chegasse a si, Pedro Nuno Santos, sabendo que tinha os holofotes concentrados no seu rosto, parecia gélido. Mas o primeiro-ministro estava apostado em quebrar o gelo e abraçou-se ao seu ex-ministro, que esta quarta-feira cortou por completo as relações políticas que lhe restavam com o costismo. Com um abraço e algumas palmadas ‘carinhosas’ no rosto e na nuca, assim ficou formalizado o momento da despedida entre Pedro Nuno Santos e António Costa: o primeiro com um rosto fechado, o segundo sorridente. Mais uma vez, as palavras ditas ficariam entre os dois.
Seguiram-se longos abraços de Pedro Nuno Santos e Duarte Cordeiro a João Galamba, que lhe sucede como ministro das Infraestruturas. Os três fazem parte dos chamados ‘jovens turcos’ que representam a ala mais à esquerda do PS, que perde agora o seu representante máximo no Governo, mas que, para não melindrar muito nem desequilibrar muito a balança, ganha dois extras: sai Pedro Nuno, que se demitiu também das responsabilidades que tinha no órgão de direção do PS (o secretariado), e entram Galamba e Marina Gonçalves, a delfim de Pedro Nuno que estava no seu gabinete desde os tempos da geringonça.
“Agora, deem-me algum descanso”
Os minutos que se seguiriam também fazem parte da história. Terminados os cumprimentos, ditou o acaso (ou não) que Fernando Medina, Pedro Nuno Santos e Duarte Cordeiro se cruzassem no corredor e que fizessem o percurso juntos até à saída. À chegada à Sala das Bicas, onde estavam os jornalistas, o ex-ministro seria interpelado pelos jornalistas e deixaria umas curtas palavras: “Foi um prazer. Estou sempre disponível para prestar todos os esclarecimentos que forem necessários”. Mas “agora deem-me descanso. Foram sete anos, foram bons sete anos, agora vou ter o meu descanso”, disse, com as mãos em frente ao peito.
E seguiu para o carro. Mas não sem antes falar com Fernando Medina. Como relata o jornal Observador, os dois ministros que estiveram no centro do furacão por causa da polémica indemnização da TAP, deixaram-se fotografar à luz dos faróis dos carros que esperavam. Conversaram longamente, Pedro Nuno gesticulou, gesticulou, e no final, propôs um aperto de mão. Medina apertou. Ao largo, os restantes ministros, Duarte Cordeiro, Marina Gonçalves e João Galamba, já empossados, davam-lhes tempo e esperavam. E foi assim, de conversas inaudíveis, que se fez o dia do adeus de Pedro Nuno Santos.