As revelações explosivas do antigo governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, no livro “O Governador”, levaram o Chega a avançar com uma proposta de inquérito parlamentar para apurar os factos relatados. Esta quarta-feira, André Ventura condenou, em plenário, a alegada interferência do primeiro-ministro no BIC e Banif, apelando à viabilização da comissão de inquérito. Mas, sem surpresa, o partido voltou a surgir praticamente isolado.
“É um caso absolutamente inaceitável de interferência e pressão política do Governo no regulador financeiro. O primeiro-ministro não hesitou em interferir na autonomia do regulador”, disse André Ventura.Afirmando que é fundamental apurar se houve a ingerência de António Costa na autonomia do Banco de Portugal para proteger a filha do ex-Presidente angolano, Isabel dos Santos, o líder do Chega considerou que a confirmar-se trata-se da “ingerência maior” de um primeiro-ministro por interesses que “ainda não sabemos”. “A lei é clara: o BdP rege-se por autonomia e cabe a ele a avaliação dos riscos sistémicos”, insistiu.
O único partido a validar os argumentos do Chega foi a Iniciativa Liberal (IL). Carlos Guimarães Pinto admitiu que o tema é “suficientemente importante” e as “suspeitas são verosímeis” para justificar uma comissão de inquérito. “Sem instituições independentes não temos democracia plena e o BdP é dos principais reguladores do país”, declarou o deputado liberal.
PSD aguarda respostas do primeiro-ministro
Guimarães Pinto apontou ainda para aquele que considera ser o padrão de funcionamento do Governo do PS e que se resume a um “historial de intromissão e desrespeito pela independência dos reguladores”. “Por isso, não iremos inviabilizar esta comissão parlamentar de inquérito”, justificou.
Já o PSD, apesar de reconhecer a gravidade dos factos relatados, explicou que prefere aguardar que o primeiro-ministro responda às questões colocados pelo partido no passado dia 23 de novembro sobre o caso. As acusações são “graves”, “ilegais e ”inéditas" na democracia portuguesa. “Mas não entramos no mercado das comissões de inquérito, não é assim que o PSD funciona. Temos de tomar decisões ponderadas, sérias e que respeitem as instituições”, realçou o deputado Hugo Carneiro.
O PSD é o único partido da oposição com poder potestativo para pedir uma comissão inquérito. “Mas desafiamos primeiro António Costa a responder às nossas questões e que não se escude na muralha do silêncio”, atirou o deputado social-democrata, não descartando que o partido proponha uma comissão de inquérito no futuro.
BE, PCP, PAN e Livre contra inquérito
À esquerda só surgiram críticas à proposta do Chega, contra o objeto da mesma, acusando o partido de querer “banalizar” as comissões de inquérito. “Se há coisa que entusiasma o BE é uma boa comissão de inquérito, mas até agora o Chega não acertou numa”, ironizou a deputada bloquista, Mariana Mortágua.
Segundo a deputada do BE, uma comissão de inquérito sobre este caso levaria o chefe do Governo a apresentar só um depoimento por escrito, sendo impossível de comprovar qual é a versão correta da história. “Carlos Costa está destilar a sua ‘vendetta’ [vingança], após ser desrespeitado e com pouco reconhecimento pelo trabalho que fez”, sustentou. Mortágua lembrou ainda que já houve uma comissão de inquérito sobre o Banif e que não faria sentido repetir o "trabalho já feito" pelos deputados.
À semelhança do Bloco, o deputado comunista Duarte Alves considerou que o instrumento da comissão de inquérito não serve para “escamotear quezílias do governador, que na atura certa nada disse”. A única forma de salvaguardar o interesse público", sublinhou o deputado, teria sido a nacionalização do grupo BPN e “não a venda ao desbarato” a Angola.
Também a deputada do PAN acusou o Chega de querer “banalizar” os inquéritos, que mais parecem a sua “tradição parlamentar”. “Já houve uma comissão parlamentar, em 2006, quando o deputado André Ventura andava para os lados do PSD”, atacou.
Rui Tavares criticou desde logo a defesa da comissão de inquérito por André Ventura, invocando incongruências. Para o deputado do Livre, o líder do Chega tem “dificuldade congénita em manter a linha da história” e deve escolher uma “narrativa” antes de avançar com novas propostas.
Ventura acusa esquerda de “proteger” Costa
O PS realçou igualmente a “inconsistência” do objeto da comissão de inquérito, que já tinha sido amplamente sublinhada pela maioria dos partidos. “O Chega transformou-se numa espécie de apanha bolas da política portuguesa”, atirou o deputado socialista Carlos Pereira, apontando para os recorrentes pedidos de debates de urgência, inquéritos parlamentares ou outros “artifícios regimentais”.
Em resposta, Ventura devolveu as críticas à esquerda, que disse estar “unida” com o único objetivo de “proteger António Costa” e “diabolizar Carlos Costa". Mas deixou também farpas ao PSD, que prefere esperar pelas respostas do PM: “Do PSD esperava-se muito mais. Parece uma tentativa dilatória de nada”. Pelo meio, deixou ainda um aviso - se os sociais-democratas avançarem no futuro com uma comissão de inquérito podem também errar o timing, como aconteceu “agora com o referendo à eutanásia”.