Foi com estrondo que caiu a notícia nos corredores do Parlamento. No hemiciclo decorria o debate sobre o acesso às ordens profissionais quando, nos corredores, assessores e deputados se agitavam perante o que liam nos jornais online: o Governo tinha decidido que a opção Montijo para a localização do aeroporto complementar de Lisboa era mesmo para avançar, ao mesmo tempo que se avança para uma solução de longo prazo em Alcochete. Pelo caminho, o Governo deixava cair a avaliação ambiental estratégica que estava nas mãos de um consórcio que tinha capitais públicos espanhóis e punha nova avaliação ambiental estratégica nas mãos do LNEC.
O Governo decide, está decidido. E os partidos, na Assembleia da República, não gostaram de ver tamanho “desrespeito” perante o Parlamento. “O ministro das Infraestruturas tem explicações para dar sobre estas notícias que apanharam toda a gente de surpresa”, começou por dizer a deputada bloquista Joana Mortágua anunciando um requerimento para chamar Pedro Nuno Santos ao Parlamento. “O Governo decidiu abandonar a avaliação estratégica que estava em curso e que resultava de um compromisso com o Parlamento e com o país para estudar e comparar as várias localizações do novo aeroporto”, continuou, sublinhando que “o Governo está a brincar com o país, com o Parlamento e com o clima”.
Rio diz que “não é bonito” mudar leis sozinho
Rui Rio preparava-se para apresentar, no Parlamento, um projeto-lei sobre os atrasos sistemáticos no pagamento de pensões, da sua autoria, quando tudo aconteceu. Adiando a sua conferência de imprensa por alguns minutos, o ainda líder do PSD seria questionado pelos jornalistas sobre o assunto do momento. Mas teve de gerir o tema com pinças: disse que apenas iria falar sobre o processo que se passou no seu mandato como presidente do PSD (que termina no domingo), deixando o futuro sobre o aeroporto para o seu sucessor, Luís Montenegro.
A verdade é que tanto António Costa como Pedro Nuno Santos têm dito, em jeito de pressão, que esperavam pelo novo líder do PSD para decidir sobre a nova localização do aeroporto. “Eu aguardo serenamente que a nova liderança do PSD diga qual é a sua posição: se é a posição de exigir a avaliação ambiental estratégica, se é a de retomar a decisão do Governo do doutor Pedro Passos Coelho, se é uma outra nova decisão de forma a que haja o consenso nacional suficiente”, disse o primeiro-ministro há uma semana no Parlamento. Agora, contudo, mudou de ideias.
Para Rio, o Governo anda “aos ziguezagues” e prepara-se para alterar a lei sozinho. Trata-se da lei que dá poder aos autarcas para vetar a obra e que ganhou particular relevância porque os autarcas comunistas dos municípios circundantes ao Montijo (sobra neste momento o Seixal). Rui Rio disponibilizou-se para alterar essa lei desde que o estudo voltasse a estaca-zero, para se ponderar todas as opções, do Montijo a Alcochete. O Governo, contudo, “não tomou nenhuma iniciativa nesse sentido”. Prepara-se para o fazer agora, quando tem maioria absoluta.
“Ou o PSD quer mudar a lei ou o Governo está a contar com outra ideia: ‘como tenho maioria absoluta, passo por cima de qualquer maneira, e anulo as leis todas e mais algumas’. Não é bonito”, criticou Rui Rio em declarações aos deputados no Parlamento.
Desrespeito e crime ambiental. Esquerda furiosa
É que não só o Governo abandonou a avaliação ambiental estratégica optando por não assinar contrato com o consórcio vencedor (por alegado conflito de interesses), como decidiu avançar já (até 2023) com a solução Montijo que é, no entender dos partidos como o BE, o PCP, o PAN e o Livre, um “crime ambiental”. Sendo certo que mesmo a solução Montijo é vista pelo próprio Governo como uma solução transitória, porque a solução Alcochete (construída até 2035) é que será a solução definitiva que levará ao fim da Portela.
“Ficou provado nas audições da semana passada [de entidades reguladoras e organizações ambientais] que a solução Alcochete é que reúne consenso”, daí que, no entender do PCP, avançar para o Montijo não é mais do que uma “perda de tempo”. “É não ter em conta o interesse público”, disse a líder parlamentar comunista, Paula Santos.
Para o PAN, as notícias desta quarta-feira são mais uma prova do “rolo compressor da maioria absoluta”. “Inusitado e precipitado”, disse ainda Inês Sousa Real, muito crítica da opção “duplamente gravosa” do Montijo, para já, e Alcochete, depois. “É um desrespeito pela AR ao cancelar a avaliação ambiental estratégica e é um exemplo claro do que não se deve fazer, que é passar por cima de uma avaliação ambiental ainda por cima sabendo que, no Montijo, vai pôr em causa uma zona ambiental particularmente sensível.
Para o Livre, a decisão do Governo revela nada mais do que “desorientação”, uma vez que vai avançar para uma solução ambientalmente má para, depois, avançar para uma mais amiga do ambiente. “O Governo está a trocar o certo pelo incerto”, disse Rui Tavares, defendendo uma avaliação ambiental estratégica sem soluções pré-definidas para, até 2023, se decidir devidamente a nova localização do aeroporto.
Também o Chega criticou o "desrespeito" pelo Parlamento. “É um desrespeito muito grande ao Parlamento que o Governo unilateralmente decida quebrar uma avaliação ambiental e decida simplesmente pelas suas próprias palavras e pelas suas próprias ações fazer o que acaba de acontecer”, criticou André Ventura.