Política

Marcelo: “É preciso repensar a Segurança Social” e a narrativa da pandemia “não pode ser a do medo”

O discurso agora tem de ser "pela positiva e pela esperança". O Presidente da República recebeu os comentadores do programa Circulatura do Quadrado em Belém para apontar ao Governo na Segurança Social e na narrativa quanto à pandemia. O Presidente-comentador diz que viveria bem com um PR com o seu perfil se fosse ele o primeiro-ministro, porque vai esvaziando crises com as suas intervenções.

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

O Presidente da República acha que é necessário "repensar a Segurança Social", sobretudo no domínio das prestações sociais: o "modelo terá de ser outro nalguns aspetos de funcionamento", disse Marcelo Rebelo de Sousa no programa Circulatura do Quadrado, da TVI24, esta quarta-feira, uma crítica ao Governo que neste ponto em concreto está mais próximo da direita de Passos Coelho que do PSD de Rui Rio, que não tem feito desta matéria um dos seus eixos políticos. Ainda reforçou o seu "otimismo irritante" quanto à pandemia já assumido na reunião do Infarmed, endurecendo a linguagem num recado direto para António Costa: a "narrativa" para lidar com a covid-19 já "não pode ser a do medo", o discurso tem de ser "coerente" e "pela positiva e pela esperança". O Presidente quer que se abra um novo capítulo.

Na noite de verão desta quarta-feira, Marcelo abriu a varanda do Palácio de Belém à Circulatura, para receber José Pacheco Pereira (que chegou a ser seu vice-presidente no PSD nos ano 90), António Lobo Xavier (seu conselheiro de Estado) e a líder parlamentar socialista, Ana Catarina Mendes - que foi concordando com Marcelo -, com a moderação habitual de Carlos Andrade.

Provocado por Pacheco Pereira, se fosse primeiro-ministro, Marcelo Rebelo de Sousa gostava de coabitar com um Presidente da República que fizesse as intervenções como as que ele faz "desde que fosse concertado" com São Bento, e mesmo que comentando a atualidade fosse "furando os balões" "para evitar o crescimento de pontos críticos, com a crise económica e social, que pudessem configurar crises políticas". Respondia ao comentador, que contabilizou pelo menos 36 intervenções do PR que poderiam melindrar o poder executivo. "Não sei se a oposição se revê sempre nesta posição, mas o Governo por vezes também se irrita com as minhas promulgações ou vetos."

Carta dos Direitos Digitais vai para o Constitucional

E continuava, admitindo, também, pedir a "fiscalização sucessiva" do Tribunal Constitucional ao polémico artigo 6º da Carta dos Direitos Digitais, em que o Estado valida e credencia quem são os órgãos de 'fact-check' da informação que circula na opinião pública. Marcelo diz que, apesar de ter promulgado a lei que "não teve votos contra", considerou aquela norma "muito original", porque "não adiantava nada quanto à competência da ERC e no resto eram intenções um pouco absurdas" - isto embora não lhe parecesse claramente inconstitucional na altura.

Se não quis comentar o vigor ou a falta de força da oposição ou do Governo - "não cabe ao PR fazer essa análise" -, o PR reconheceu ser preciso "uma área de poder forte", e argumentou que a oposição também deve afirmar-se como alternativa, com "capacidade de entrada no espírito dos portugueses" para evitar a existência de "vazios" que levam ao aparecimento dos movimentos inorgânicos e os novos movimento políticos, leia-se Chega e Iniciativa Liberal. Marcelo continua a dar a entender que o PSD não consegue estancar a progressão de André Ventura.

O mesmo sobre as remodelações do Governo: "Aí está uma coisa que o PR nunca deve assumir com clareza". No entanto, se o Presidente não assume que o Executivo precise de uma remodelação, admite que fala do assunto com o primeiro-ministro nas conversas de quinta-feira, ou seja, fala de remodelações nas "longuíssimas conversas" com António Costa. "Pode assumi-lo em conversa com o PM, mas não em publico." Aliás, já foi sinalizando a necessidade de o ministro Eduardo Cabrita ser remodelado, mas António Costa fez orelhas moucas.

O "PRR que existe é o que existe" e "não resolve o problema de fundo", a crise social

A análise do estado da Nação feito por Marcelo logo no início da conversa com os comentadores, misturou elogios à vacinação, apelos à abertura e à boa aplicação dos fundos europeus, e críticas. Repetiu o mote de que "o PRR que existe é o que existe" - a chamada 'bazuca' europeia, "é o que é" -, portanto, não é o que o Presidente achava que devia ser. E "não resolve o problema de fundo", porque "para resolver a crise social é preciso crescer mais do que as economias que crescem mais do que Portugal na UE e que nos estão a ultrapassar". Um discurso, aqui sim, mais próximo do que o PSD vem fazendo.

Já "a vacinação tem avançado muitíssimo bem, a realidade tem acompanhado a vacinação" e assim "o Governo pode abrir caminho" para ir libertando a sociedade e a economia, afirmou, entre o reconhecimento e o recado. Mas a situação social é a "realidade mais preocupante a médio prazo" na análise do Presidente.

"Politicamente", segundo Marcelo, "a chave" para resolver esse problema é mais crescimento que permita sair da crise social, através "da qualificação dos recursos humanos" - uma forma de apoiar o acordo assinado esta quarta-feira na Concertação Social. Mas essencial também, para que a crise possa ser atacada, é evitar a "ingovernabilidade", neste contexto em que o Governo não tem uma maioria nem estável nem coerente.

Aqui, deixou mais uma palavra para "as oposições", onde se pode ler outra mensagem para Rui Rio: "Quem está na oposições, sobretudo se quer ser alternativa, deve chamar a atenção para horizontes de medio-longo prazo e para a crise social que pressupõe a resolução de problemas económicos". Tudo para evitar que os portugueses se afastem das instituições e os "vazios" façam aparecer "soluções messiânicas ou sebastiânicas" que prejudicam a "estabilidade democrática".

Marcelo disse-o num dia em que ouviu, às portas de Belém, André Ventura a apelar ao entendimento das direitas. A esquerda que existe é a que existe e a direita também é a que é. O PR tem à sua frente um tabuleiro de xadrez muito empatado... uma verdadeira quadratura do círculo.