Margem de erro: zero. Nível de stresse: máximo. Era preciso decidir rapidamente, com sangue-frio e de uma só vez. Tinha apenas 20 minutos para salvar o submarino e os homens, enquanto a água inundava o compartimento a um ritmo infernal. Assim que as máquinas fossem alagadas, o “Delfim” morria, tornava-se pesado e desaparecia para sempre no fundo do Mediterrâneo. Mandou os 53 homens da guarnição prepararem os procedimentos para abandonarem o navio e pediu para ficar sozinho na ré, a analisar o desastre. “Preparem-se e avisem Lisboa que estamos com um problema grave!” Fez uma marca para ver quanto tempo demorava a água a subir e calculou: eram só aqueles 20 minutos... Um engenheiro tinha mergulhado até à zona da fissura e concluído que as bombas já não tiravam água suficiente: “Não estamos a conseguir!” Com a tripulação instável, Henrique Gouveia e Melo, o comandante, tomou uma decisão interior que o acalmou. “Aconteça o que acontecer, não abandono o navio. Prefiro morrer aqui do que ter de viver para justificar a perda do submarino.” Ainda lhe atravessou o espírito a história de um comandante da Marinha portuguesa, que certa vez abandonou o posto e foi forçado a voltar para bordo porque o navio acabou por não afundar. Ele não passaria por vergonhas dessas.
É um racionalista, um matemático que desde miúdo se diverte a estudar física. Talvez isso o tenha salvo. Quase por instinto, lembrou-se de uma manobra tão rara e hipotética que nunca a treinava: fechar o submarino — que na realidade é um tubo estanque dividido em cinco compartimentos — e aspirar o ar de fora para o interior, de modo a tornar o navio numa gigante câmara hiperbárica: com maior pressão do ar, a água deveria começar a ser empurrada para sair, em vez de entrar. Funcionou. Salvou-se a guarnição e salvou-se o navio. “Foi talvez a situação mais complicada que vivi”, recorda hoje, aos 60 anos, o vice-almirante Gouveia e Melo, coordenador da task force da vacinação, e o oficial da Marinha com mais horas de navegação e de imersão submarina: 31 mil horas de navegação e mais de 20 mil debaixo do mar (o que dá 2,3 anos fechado dentro de uma cápsula). É um operacional. Um duro.
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