Política

Catarina Martins contundente promete um Bloco “empecilho” para Costa

O discurso de lançamento da Convenção do Bloco de Esquerda na manhã de sábado teve dois momentos: um para lembrar o impacto da pandemia, o segundo, ainda mais contundente, para disparar na direção de um Governo que tenta encostar a esquerda, “atacá-la”, “combatê-la”. O PS de António Costa olha para o Bloco como um “empecilho”, afirmou Catarina Martins. E assim se adivinham os próximos tempos, com caderno de encargos definido

O primeiro momento empolgado da XII Convenção do BE foi dado pela líder incontestada. Catarina Martins sem palavras meigas para o PS
Rui Duarte Silva

É, para já, e como se esperava, o momento alto da Convenção. Catarina Martins entrou sorridente para o discurso de lançamento desta manhã, saudou os camaradas e amigos, garantiu que “vai ser uma festa” o dia em que todos se puderem abraçar, mas pouco depois fechou o semblante e endureceu o discurso. Sem mais palavras, um alvo claro: António Costa e o Governo por ele liderado.

O tempo da “geringonça” já lá vai. A líder do Bloco não quis fazer a historiografia do período de acordo com o Partido Socialista e com o Partido Comunista, ainda que tenha lembrado que foi apenas a aritmética das eleições, que obrigou o PS a negociar, e por conseguinte, “a força da esquerda”, que permitiu que “o povo” começasse “a recuperar a sua vida” no pós-troika.

Mas a narrativa que vinha bem preparada recuava apenas até às últimas legislativas. “Nada foi mais importante para o PS do que atacar a esquerda nas eleições de 2019.” Para Catarina Martins, o objetivo de António Costa foi sempre chutar a esquerda para canto, para tentar agarrar uma maioria absoluta. Não chegando, o Bloco era o “empecilho”.

Para o exemplificar, Catarina Martins lembrou a entrevista que o primeiro-ministro deu ao Expresso pouco mais de um mês antes dessas eleições, na parte em que afirmou que “um Bloco de Esquerda forte significa a ingovernabilidade” do país. Ou, como disseram outros dirigentes socialistas, “era preciso salvar o governo das pressões da esquerda”.

E foi assim que se chegou ao final do ano e ao início de 2020, sem poder adivinhar uma pandemia. O Bloco passou os orçamentos para esse ano-chave, o normal e o suplementar, porque, mesmo não sabendo que aí vinha a covid-19, tinha o reforço do SNS como prioritário. “Sabíamos de outra doença: não há médico de família para quase 900 mil pessoas e faltam especialistas nos hospitais.”

O discurso ia sendo entrecortado por aplausos e gritos de apoio. Como têm dito outros dirigentes bloquistas, o Governo falhou em cumprir as metas do Orçamento de Estado (OE) para 2020 e, por isso, chegada a data de negociar o de 2021, o BE pôs em cima da mesa quatro exigências: “carreiras profissionais para o SNS; fim do abuso no Novo Banco; acabar com as leis laborais da troika; e uma política social de combate à pobreza na pandemia, que não deixasse ninguém de fora.” O resultado é o que se conhece: o PS não cedeu e o BE votou, pela primeira vez desde o início da geringonça, contra um OE.

Caderno de encargos para Costa

Nas últimas semanas, o Bloco tem mantido firme a posição acerca das matérias que levaram ao voto contra o último OE. Não há cedências. Catarina Martins recordou parte desse caderno de encargos. “Não deixamos para amanhã que a Contribuição Solidária para idosos pobres não dependa da informação bancária dos filhos”, por exemplo. E por falar em bancos, o partido insiste “no fim do abuso do Novo Banco” e das injeções financeiras públicas que recebe. “Não deixamos para depois de amanhã que quem é explorado nas plataformas tenha direito a um contrato de trabalho”, nem que os chamados recibos verdes tenham direito a segurança social. Para um Bloco que reassume a postura feminista, Catarina frisou a urgência de um salário igual para homens e mulheres.

É que, além de discordância quanto a prioridades, o Bloco queixa-se de que o Governo não cumpre as medidas orçamentadas. “Chegámos ao fim de 2020 com menos 945 médicos no SNS do que em janeiro e só então entraram os jovens que tinham concluído a licenciatura no ano anterior.” Os compromissos conseguidos para 2020 até eram positivos para a esquerda - “a responsabilidade é de quem não cumpriu”. “Não foi feito o que tinha de ser feito”, à cabeça a “destroikização” das leis laborais, outro dos cavalos de batalha do Bloco de Esquerda.

Apesar de ter iniciado o discurso contra quem lucra e, mesmo assim, ameaça com despedimentos (a propósito, não por acaso, dos trabalhadores da refinaria da GALP, precisamente em Matosinhos), e já depois de os militantes terem gritado em uníssono “aqui há anti-capitalistas”, Catarina Martins confirmou que nesta XII Convenção do Bloco de Esquerda haverá um outro partido protagonista , chamado PS.

“O Governo gaba-se de ter poupado 7 mil milhões de euros dos orçamentos de 2020; o Bloco critica-o por ter sido dos países europeus que menos fez pela sua gente.” Mais aplausos para a líder que promete sair desta convenção com a mesma força com que nela entrou. Nada de ressentimentos, garante. Mas a hora é de seguir caminhos diferentes.

Não optamos pelo ressabiamento. É a escolha do PS, nós abriremos outra porta.” Seguiram-se mais aplausos e gritos de apoio para a líder que promete sair desta convenção com a mesma força com que nela entrou.