Política

Cavaco acusa Costa de "amordaçar" a democracia. E aconselha Rio a não falar do Chega, só do PS

Antigo Presidente voltou a uma iniciativa do PSD para deixar muitas críticas ao Governo PS e à "geringonça": "impunidade", "abusos", com "sinais de uma democracia amordaçada". Mas deixou também recados - ou sugestões - ao seu partido e um elogio a um ex-líder: Passos Coelho

NUNO FOX/LUSA

Cavaco Silva diz ter aberto "uma excepção à minha resistência de participar em eventos partidários", mas aproveitou a dita excepção para deixar um ataque sem rodeios a António Costa e à "geringonça" - não deixando de dar conselhos ao atual PSD - como ignorar o Chega e concentrar todo o discurso na crítica ao PS -, assim como elogiar um (só um) dos líderes do partido que lhe sucederam: Pedro Passos Coelho.

A primeira crítica do ex-Presidente da República chegou a reboque da pandemia, "um tempo de dor, de sofrimento, para muitos milhares de portugueses, onde emergem como heróis os profissionais de saúde". Mas para Cavaco, a pandemia mostrou um "SNS fragilizado por decisões erradas do governo", que responsabilizou pela terceira vaga de janeiro: "Não podemos deixar de sentir uma certa vergonha ao ver Portugal como recordista de novos casos", disse, admitindo mesmo assim que "felizmente a vacinação está a correr bem", o que apontou como um "sinal de esperança".

Mas daí para a crítica feroz a António Costa foi um ápice. Cavaco lembrou as críticas que têm sido feitas à gestão da pandemia por um deputado do PSD, Ricardo Baptista Leite ("tem falado com autoridade e clareza"), para sublinhar o "evidente incómodo" do Governo a ouvir essas críticas, nomeadamente a declaração de Costa quando acusou Baptista Leite de anti-patriotismo por estar a prejudicar o nome de Portugal lá fora. E disparou contra essa reação: "O escrutínio do Governo não está suspenso, a democracia não está suspensa, os erros têm de ser denunciados, os abusos" também.

Cavaco, que classificou o PS como um partido "PS guiado pela preservação do poder", acusou os socialistas de fazerem uma "suspensão da normalidade". E foi mais longe: apontou a "deterioração da nossa democracia a que a geringonça conduziu o país", disse que "é chocante o sentido de impunidade que irradia de algumas atitudes e comportamentos do atual Governo".

Depois, o ex-Presidente estendeu a mesma crítica à gestão económica do país. Dizendo que as políticas de esquerda deixarão uma "pesada fatura às gerações mais jovens", disse que "é triste ver Portugal ser ultrapassado pelos países de Leste. Portugal corre o risco de ser o ultimo dos 19 países da Zona Euro, sem isso parecer incomodar os governantes, apesar de isso elevar o nível de pobreza". Para Cavaco Silva, isso "é deliberadamente escondido, o que prova que algo não vai bem na nossa sociedade".

Neste passo do discurso, feito através de Zoom no 5º encontro de formação de quadros das Mulheres Sociais-Democratas, Cavaco falou da "surpreendente sequência de noticias de indiciam que o país se encontra amordaçado. Não sei se são verdadeiras, mas são tantas que é difícil não terem fundo de verdade", disse o ex-PR e ex-PM. Seguiu-se a lista: "Políticos acusados de serem criminosos e anti-patriotas" por criticarem o Governo; "a escolha para procurador europeu de um procurador da confiança da sua área política, tendo viciado o currículo" para entregar nas instituições europeias; "a não recondução do presidente do Tribunal de Contas, que tinha sido eleito para o congénere europeu e que, em Portugal, se tinha destacado na defesa do rigor e legalidade dos dinheiros públicos"; "a não recondução da PGR, que se destacou pela imparcialidade e nova dinâmica à investigação criminal"; "a desqualificação do Banco de Portugal, Conselho de finanças públicas, UTAO, CRESAP e outras" instituições que devem fiscalizar o Governo; "Membros do governo com manifesta falta bom senso", como na decisão de obrigar a suspender as aulas digitais das escolas privadas"; e a "falta de transparência do OE" - sempre, acusou Cavaco, numa "reação desrespeitadora face ao escrutino das contas públicas".

Portugal é hoje "uma democracia imperfeita", com "sinais de uma democracia amordaçada" - disse, alargando as críticas ao jornalismo. "Escrevi-o e reitero: episódios recentes fazem crer que um dos riscos para qualidade da democracia é do jornalismo se alhear e deixar de se submeter aos princípios isenção".

Ao PSD, seu partido, deixou também conselhos: "A identificação do adversário politico do PSD, que é o atual governo e o PS". É preciso, aconselhou, "não dispensar esforços em relação a qualquer outro partido" [a referência ao Chega não aconteceu diretamente, mas ficou claro na mensagem]. E deixou mesmo um apelo à formação dos políticos do partido sobre "como não responder a uma única pergunta que seja dirigida sobre outros partidos, quaisquer que eles sejam"

Mais: Rui Rio deve, para Cavaco, "denunciar erros e omissões, falhas de respeito, tentativas de amordaçar a democracia", assim como apresentar "políticas alternativas adequadas a melhorar o bem-estar - mas nunca recorrendo a insultos, não recusando o diálogo. A luta processa-se entre adversários, nunca entre inimigos".

Agora, para Cavaco Silva, é tempo de "atrair eleitores que votaram PS. Sem isso o PSD não conseguirá voltar a ser poder". Isto numa "reformista e gradualista", com "equilíbrio na acção e discurso". Como ele fez quando foi primeiro-ministro, disse Cavaco, em jeito de auto-elogio, deixando depois uma referência - e elogio - a um único líder que lhe sucedeu no partido: "o dr. Pedro Passos Coelho".