Política

“Sounds good.” Costa e Ursula em sintonia para evitar o pior lá fora e cá dentro: “Seria insano e injustificado” haver crise política

Primeiro-ministro diz estar a negociar com os antigos parceiros da geringonça para se chegar a um “bom Orçamento” e nem quis ouvir falar em crise política diante da presidente da Comissão Europeia, com quem se reuniu esta segunda-feira em Lisboa. Os dois apareceram num elogio mútuo e alinhados para o que querem para a Europa.

Etienne Ansotte

O auscultador de onde ouvia o tradutor deixou de funcionar logo no início das declarações de António Costa. Assim que o aparelho foi trocado, uma exclamação: "Sounds good", disse Ursula von der Leyen. A presidente da Comissão Europeia referia-se (ainda e apenas) ao som da tradução das declarações do primeiro-ministro, mas podia ter sido ao facto de António Costa ter estado quase em plena sintonia com as palavras da alemã: é preciso pressa e responsabilidade dos países para que se aprovem rapidamente todas as pontas soltas do Mecanismo de Recuperação e Resiliência; é preciso continuar a negociar para se evitar um Brexit sem acordo e, por fim, uma nota nacional - "uma crise política seria insana e injustificada". Uma frase com destino aos parceiros portugueses mas que serve que nem uma luva às discussões europeias.

A presidente da Comissão Europeia foi afastada das quezílias domésticas pelo próprio primeiro-ministro. "Não vamos estar a incomodar a presidente da Comissão Europeia" com assuntos internos. António Costa acabou também por despachar em três tempos o tema de uma eventual crise política por causa do Orçamento do Estado. "Já temos uma crise sanitária, acrescentou-se uma crise económica e social, haver uma crise política era absolutamente insano e injustificado", disse.

A pressão está aí, em plenas negociações para o Orçamento do Estado com a esquerda. António Costa não quer acreditar que esta seria a altura para uma crise política. "Nada justifica que isso venha a acontecer", disse - e acrescentou que o Orçamento está a ser preparado "com a tranquilidade normal" e que as negociações "têm vindo a decorrer com avanços positivos" para que se alcance um "bom orçamento", foi repetindo.

Esta ideia de "bom orçamento" faz parte da pressão política de António Costa, que defende que nesta altura não se podem desperdiçar oportunidades por causa da "bazuca" europeia de dinheiro que virá para responder à crise. "É importante ter um bom orçamento porque vencer esta crise económica e social não depende só dos apoios europeus mas depende de nós próprios adotarmos boas políticas para responder às necessidades das empresas, ao desemprego, criar clima de confiança." Mas até o conseguir ainda vai um árduo caminho. "Se é fácil? Não, não é, como nunca foi ao longo destes últimos anos. Quando não há maioria há que negociar."

Portugal "como exemplo"

A presidente da Comissão Europeia mal acabou de chegar a Portugal para uma visita oficial de dois dias e na bagagem traz um discurso consonante com o do primeiro-ministro. Neste primeiro encontro trazia elogios a um Portugal "como exemplo" do passado na recuperação de crises - com "ideias", "trabalho" e "disciplina" - mas também no caminho que a Comissão Europeia está a traçar para futuro, através de medidas para a transição digital - de que Lisboa é exemplo, elogiou - e para o combate às alterações climáticas - que Portugal começou a traçar há anos ao mudar o uso de energia no país, lembrou.

Portugal é um exemplo “não só por encontrar uma saída para a crise” através de "trabalho duro, boas ideias e disciplina”, mas também por “saber definir um rumo para o futuro”.

Von der Leyen estará esta terça-feira na apresentação do Plano de Recuperação e Resiliência português, mas tendo em conta o que conhece - dada a colaboração estreita - não tem dúvida de que "está afinado com as prioridades da União Europeia". É por isso que a presidente da Comissão Europeia acredita que a "próxima geração de políticas [europeias] foram feitas à medida de Portugal".

Contudo, para que avancem, nomeadamente o Mecanismo de Recuperação e Resiliência e o próximo quadro financeiro plurianual, é preciso um acordo entre todos os Estados-membros em Conselho Europeu, uma decisão que tem de ser tomada por unanimidade - uma tarefa difícil dado o bloqueio provável da Hungria. Nas declarações aos jornalistas em São Bento, tanto o primeiro-ministro como Ursula von der Leyen falaram da necessidade de um acordo rápido. Ursula von der Leyen garantiu que está a trabalhar para alcançar um entendimento, até porque "todos os atores sabem o que está em causa", e o primeiro-ministro pediu uma "aprovação o mais rapidamente possível" por parte do Conselho Europeu. "Esta crise coloca uma noção de emergência em todos nós", disse, elogiando o papel da Comissão Europeia. Por isso, sublinhou, é hora de "essa capacidade da Comissão Europeia não ser comprometida pelos Estados-membros", acrescentou.

Já não é a primeira vez que António Costa põe pressão nos colegas homólogos do Conselho Europeu elogiando o papel da Comissão Europeia. Voltou a fazê-lo, dizendo que houve um "esforço" de Ursula von der Leyen, que foi "inédito" e que não pode agora ser posto em causa. Os galhardetes foram trocados. Esta terça-feira Ursula von der Leyen conhecerá o detalhe do plano português.