Política

Ventura só altera um nome e lista da direção volta a ser chumbada por “votos de protesto”. Mas à terceira acaba por passar

Não foi um dia fácil para André Ventura. O líder do Chega voltou a apresentar a votação praticamente a mesma lista para a direção nacional do partido, que foi chumbada três horas antes. E a proposta voltou a ser recusada. Mas à terceira vez, a lista passou. Para justificar o impasse, Ventura alega que o Chega não é um partido do sistema e recusa “jogadas de bastidores”

PEDRO NUNES

O segundo dia da Convenção do Chega, em Évora, arrancou com mais de três horas de atraso, mas o inesperado acabaria por acontecer e atrasar ainda mais os trabalhos. Apesar de ter sido reeleito há quinze dias com 99,1% dos votos, a lista proposta por André Ventura à direção nacional só conseguiu ser aprovada à terceira vez, com 247 votos a favor, 25 contra e um nulo.

"Aqueles que pensavam que seríamos um partido como os outros em que as jogadas de bastidores definiam o poder interno, desenganem-se. Este partido é dos militantes e vai ser sempre dos militantes", afirmou o líder no seu discurso final, tentando justificar o impasse na votação.

E apontou o dedo aos partidos e aos críticos, que acreditavam que hoje podia ser o seu último dia enquanto líder do Chega, para garantir que sai com poder reforçado da Convenção e que continuará a defender as bandeiras do partido. "Podem desenganar-se porque nós temos democracia interna e saímos daqui mais fortes do que nunca. Aqueles que hoje pensavam que a luta contra a corrupção ia acabar, que o compadrio ia acabar, que a única voz na Assembleia da República se ia calar tiveram uma grande desilusão. Porque nós somos feita de uma incrível massa de resistência", assegurou.

Na primeira tentativa, a lista foi chumbada com 193 votos contra, 183 a favor, um branco e um nulo – o que obrigou o líder a anunciar a suspensão dos trabalhos para submeter uma nova lista. Contudo, já depois do prazo previsto nos estatutos (com uma hora de atraso), Ventura voltou a apresentar praticamente a mesma lista a votação e a proposta voltou a ser chumbada com 121 votos contra e 219 a favor, abaixo dos dois terços necessários.

Pelo meio houve tensão e até algumas lágrimas. O líder dramatizou e sugeriu que iria avançar com a demissão. Mas assumiu depois "responsabilidade" e anunciou que iria a submeter uma nova lista, que acabou por ser mesma. "Eu recuso-me a fazer deste partido outro partido do sistema. Ao mesmo tempo, temos que perceber que a democracia dentro do Chega funciona", afirmara antes Ventura perante uma plateia agitada, que gritava o nome do líder e pedia para não se demitir.

Na lista anterior, a única alteração passava por incluir entre os vogais Rui Paulo Sousa, ex-cabeça de lista do Aliança em Santarém e membro da comissão política e responsável pela comunicação da distrital de Santarém, enquanto a primeira previa que um vogal fosse atribuído ao Partido Cidadania e Democracia-Cristã (PPV/CDC), que formaliza neste congresso a fusão com o Chega.

De resto, a lista manteve-se intacta. Diogo Pacheco de Amorim e Nuno Afonso continuavam vice-presidentes, enquanto José Dias, líder do Sindicato do Pessoal Técnico da PSP, Gabriel Mithá Ribeiro, professor universitário e investigador, e António Tânger Correia, antigo embaixador de Portugal em Pequim, juntavam-se à lista.

Entre os vogais mantinham-se Ricardo Regalla Dias e Lucinda Ribeiro e surgiam novos nomes, como Rita Matias, Pedro Frazão, Patrícia Sousa Uva, Tiago Sousa Dias e Fernando Gonçalves.

PEDRO NUNES

Delegados contra nomes novos e nomeações para as concelhias

O chumbo da lista apanhou Ventura de surpresa e o líder não escondeu o desagrado. Depressa invocou a sua liderança reforçada há 15 dias nas eleições diretas para submeter uma nova proposta. Ao Expresso, o vice-presidente Nuno Afonso admite que não se tratou de "uma ação concertada" de delegados e que terá contribuído para o resultado uma "conjugação de fatores", que recusa adiantar.

Mas há duas razões que podem explicar os votos contra de mais de 100 delegados, segundo apurou o Expresso. Em primeiro lugar o facto de a direção ter optado pela nomeação dos membros das futuras concelhias em vez de convocar eleições. Mas também o incómodo em relação à inclusão de Gabriel Mithá Ribeiro na lista, uma vez que se tornou apenas há dias militante do partido.

Na distrital de Évora, oito dos 10 delegados votaram contra a lista à direção nacional, enquanto no Porto também uma fatia significativa dos mais de 100 delegados recusaram os nomes propostos por Ventura.

"Não se pode meter militantes à última hora para entrar na lista nacional. E as pessoas que dão a cara desde o início e a trabalham nos seus distritos e concelhos?", questiona Luís Estáquio, ex-líder do PSD Estremoz e agora membro demissionário da distrital do Chega de Évora.

Um membro da distrital de Portalegre, que preferiu não ser identificado, também criticou, em declarações ao Expresso, a lista à direção nacional. Mas recusou estar em causa qualquer "preconceito" face à ascendência africana, árabe e indiana de Gabriel Mithá Ribeiro. "Não tem que ver com nomes ou etnias, simplesmente o partido não pode apresentar propostas a concelhias por nomeação. Temos que ser um partido democrático e convocar eleições. Isto foram votos de protesto. Mas se o Chega continuar assim só vai perder militantes da base", alerta.

O segundo dia de trabalhos do Chega foi quente e terminou bem depois do previsto. Afinal, de acordo com os estatutos do partido, a Convenção Nacional não poderia ser dada por terminada sem que fosse "regularmente eleita a lista da direção nacional".