Em princípio já está chumbado, mas Vitalino Canas foi esta quarta-feira ouvido no Parlamento sobre a sua candidatura ao Tribunal Constitucional - e aproveitou para rebater as acusações que lhe fazem, sobretudo à esquerda, declarando diante dos deputados: “Andei quarenta anos a preparar-me para ser juiz do TC”.
A audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, a que se seguirá o voto em plenário já nesta sexta-feira, visava ouvir os dois candidatos propostos pelo PS, António Clemente Lima e Vitalino Canas. A sessão de perguntas dos deputados focou-se, no entanto, quase sempre no segundo, uma vez que é o nome que mais dúvidas e críticas tem suscitado, assim como mais promessas de voto contra (para já, do Bloco de Esquerda, PSD e Iniciativa Liberal, o que invalida os dois terços necessários para fazer aprovar nomes na Assembleia).
As críticas tinham sobretudo a ver com o percurso político e profissional de Vitalino Canas, centrando-se, por um lado, no papel que teve em Governos socialistas (ou na função que exerceu de porta-voz do PS) e por outro na ligação ao setor do trabalho temporário. Sobre elas, o ex-deputado socialista enfatizou a preparação académica e jurídica que acumulou nas últimas décadas e disse estar fora de questão que a política atrapalhe a sua jura de isenção: “Não me passariam pela cabeça nunca outros critérios [em decisões do TC] que não os objetivos, da Constituição”.
A propósito do passado como provedor do setor do trabalho temporário, uma experiência que o Bloco de Esquerda evocou para classificar Canas como “o provedor da precariedade”, o candidato a juiz do TC recordou que esse foi um serviço que o seu escritório de advogados “prestou a um cliente”, “prestando informação” e resolvendo pequenos litígios. “Acho que prestámos um serviço público. Se acha que isto me desqualifica, eu acho o contrário”, respondeu ao deputado do Bloco de Esquerda José Manuel Pureza.
As dúvidas sobre a isenção, ou pelo menos a “perceção” de falta dela que poderá haver na opinião pública, começaram por ser levantadas pelo social-democrata Fernando Negrão, depois de na segunda-feira o Expresso ter noticiado que o partido votará contra este nome (é uma indicação, uma vez que o voto é secreto e nominal). Mas foram depois mais concretizadas por André Ventura, que lembrou os tempos em que Canas foi porta-voz do Governo de José Sócrates. “Não tenho nenhuma relação com o processo da Operação Marquês, nem como advogado, nem como testemunho, nem como inquirido”, contrapôs Canas, recordando que o seu nome “nem sequer numa escuta apareceu” e que portanto está “completamente tranquilo em relação a isso”.
Ainda sobre as dúvidas, também enunciadas pelo PAN, a propósito das portas giratórias entre o mundo da política, dos negócios e, neste caso, do TC, o candidato lembrou que não seria “o primeiro, o segundo ou o sétimo caso” e garantiu que o seu “chip mudou” desde que deixou a bancada do PS para fazer a sua tese de doutoramento: “Não serei certamente porta voz de ninguém e de nenhum partido político”.
Do currículo académico e jurídico tanto de Vitalino Canas como de António Clemente Lima, nenhum partido pareceu ter dúvidas - embora vários tivessem reservado críticas ao facto de as nomeações serem de dois homens, o que põe em causa a paridade no TC. Surgiram ainda alguns elogios, sobretudo da parte do PS mas também do PCP, ao papel de Canas na elaboração da legislação sobre a posse de droga em Portugal.
Mas esses elogios não deverão ser suficientes para a proposta passar na sexta-feira. O Bloco de Esquerda anunciou desde logo que chumbaria os nomes apresentados pelo PS, que, ao contrário do que aconteceu na legislatura passada, não foram negociados com os bloquistas. O PSD fez o mesmo na segunda-feira em relação ao nome de Vitalino (embora esta quarta-feira o presidente da Comissão, o social-democrata Luís Marques Guedes, tenha expressado votos de que ambos sejam eleitos, até porque a votação é nominal). O PCP ainda não esclareceu como votará e o CDS não dará indicação contra ou a favor aos seus deputados, mas o Iniciativa Liberal também já veio anunciar que chumbará Canas. Isto inviabilizará a escolha, que precisa de dois terços dos deputados para passar.