O Presidente mais falador da democracia portuguesa percebeu que, apanhado de surpresa por uma ameaça de crise em que foi colocado pelo primeiro-ministro quase fora de jogo, tinha que usar a sua carta rara. O Palácio de Belém mergulhou num dos silêncios mais sepulcrais de que há memória e Marcelo Rebelo de Sousa - que na próxima terça-feira parte para Nápoles onde vai participar no Encontro Cotec Europa - deixou a agenda em branco até lá. À espera das cenas dos próximos capítulos, só falaria no regresso, a meio da próxima semana. Mas o Marcelo analista confiou que o Marcelo Presidente acabaria por ter a vida facilitada. E aparentemente, não se enganou. Com o recuo, primeiro do CDS, depois do PSD, a crise pode ter morrido ao terceiro dia.
Falta saber como reagem PCP e BE à guinada dos parceiros improváveis com quem desenharam um diploma que deu a António Costa de bandeja o pretexto para ameaçar demitir-se. Mas fontes próximas de Marcelo antecipam não acreditar que com as novas condições colocadas pelos partidos da direita - fazer depender o pagamento dos nove anos aos professores da existência de condições orçamentais no país - ainda seja possível acomodar um acordo com a esquerda.
Não se sabe ainda se Marcelo Rebelo de Sousa trabalhou nos bastidores para o recuo dos sociais-democratas e dos centristas. Mas sabemos que esperou pelo que percebeu ser inevitável. A declaração de António Pires de Lima ao Expresso, onde o ex-ministro da Economia pelo CDS mostrava desilusão por a líder do seu partido ter trocado "os contribuintes pelo Mário Nogueira" foi apenas um sinal do terramoto que rapidamente assolou os dois partidos à direita. E Marcelo percebeu que algo ía mudar. Para o Presidente, apesar do eventual desgaste eleitoral que esta pseudo crise provocará no PSD e no CDS não contribuir para o que ele tão insistentemente tem pedido - uma alternativa clara e forte ao Governo de Costa -, acaba por ser o menor do males. A demissão do Governo seria para Marcelo mais difícil.
Por um lado, o Presidente teria que decidir o que fazer à lei que deu a Costa o pretexto para partir a corda e, assim, livra-se de ter que optar entre veto e promulgação. Por outro lado, tendo assumido desde o início do seu mandato a defesa do cumprimento da legislatura, Marcelo prefere não ter que gerir uma crise. Sobretudo depois de António Costa o ter deixado praticamente fora de jogo. Em vez de fazer depender a sua eventual demissão da entrada em vigor da lei dos professores - o que daria ao Presidente da República o enorme poder de, vetando-o retirar o argumento a Costa ou, promulgando-a, assumir-se como oposição ao Governo - Costa escolheu só depender do Parlamento. Deixando ao Presidente pouco mais do que a decisão de dissolver ou não a Assembleia da República.
Fontes próximas do Presidente partilharam com o Expresso que, independentemente da tentação que Marcelo pudesse ter de forçar Costa a ficar a governar em gestão até outubro - e a forma como o primeiro-ministro o apanhou de surpresa com o seu taticismo caiu mal em Belém - o mais natural seria o PR dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas. Marcelo estudou os calendários com alguns dos seus conselheiros mais próximos e a conclusão terá apontado como possível convocar as legislativas para 21 de julho, o penúltimo domingo do mês.
Embora grande parte dos portugueses já esteja nesse altura de férias, não seria a primeira vez e o PSD é, aliás, um partido cuja história até mostra já ter tido sorte com eleições em tempo de férias - Cavaco Silva conseguiu uma maioria absoluta nas legislativas de ... 19 de julho de 1987.