Política

Rio quer discutir reforma do SNS, mas Governo chuta novos acordos para a próxima legislatura

PSD prepara documento estratégico sobre o SNS e quer posicionar-se de forma a responder ao repto para um pacto de regime feito pela ex-ministra Maria de Belém, que coordena o grupo de trabalho do Governo para a reforma do sector público da saúde. Mas depois dos acordos sobre fundos europeus e descentralização, o Governo remete novos acordos estruturantes ao centro para lá de 2019

José Carlos Carvalho

A direção do PSD está a preparar um documento estratégico que servirá de base à proposta social-democrata para reformar o Serviço Nacional de Saúde. A informação é avançada na edição de hoje do "Público", que antecipa o objetivo de Rui Rio de posicionar o PSD como interlocutor privilegiado do Governo na discussão sobre o sector público da saúde em Portugal.

Um propósito que ganhou lastro esta sexta-feira com as declarações da socialista Maria de Belém - convidada pelo Governo para coordenar um grupo de trabalho para a reforma do SNS -, que abriu as portas à negociação de "um acordo de regime" neste dossiê. "Acho que era importantíssimo que houvesse muita estabilidade nas políticas de saúde, porque elas só produzem resultados a longo prazo", disse a antiga ministra da Saúde no programa "Em nome da lei", da Rádio Renascença.

O documento estratégico do PSD está a ser coordenado pelo também ex-ministro Luís Filipe Pereira e segundo fonte do partido, citada pelo "Público", as conclusões do trabalho em curso serão depois usadas pela direção para decidir que propostas apresentará no Parlamento. As mesmas fontes citadas pelo diário admitem, no entanto, que dificilmente haverá tempo na atual legislatura - que termina no verão de 2019 - para fazer mais acordos com o Governo, como aqueles que foram esta semana formalmente celebrados no âmbito da discussão do próximo quadro comunitário de apoios e do processo de descentralização.

Aliás, depois dessa cerimónia, um membro do Governo deu mesmo por garantido ao Expresso que "não existirão mais acordos estruturantes negociados com o PSD" até às próximas eleições legislativas. "Obviamente que o Governo tem abertura para negociar, mas em matérias desta natureza e com o tempo que há não é possível", antecipou a mesma fonte, remetendo potenciais entendimentos entre Governo e PSD nos próximos meses para "dossiês mais concretos e específicos" e em que "a possibilidade de convergência" seja mais fácil. Exemplo disso será, segundo fontes do Governo, "a nova lei sindical da PSP", que poderá a breve trecho ser alvo de acordo com os sociais-democratas.

BE quer nova Lei de Bases nesta legislatura

No mesmo programa da Renascença, Maria de Belém apontou ainda o mês de junho como o prazo previsto para a apresentação das primeiras ideias para a proposta de Lei de Bases que está a ser discutida pelo grupo de trabalho que coordena a convite do Governo. Mas embora tenha admitido que os trabalhos em curso partiram do livro "Salvar o SNS", do histórico socialista e 'pai do SNS' António Arnaut e do ex-dirigente do BE João Semedo - e que também serviu de base à proposta de Lei de Bases já apresentada pelo Bloco de Esquerda -, a antiga ministra socialista marcou já terreno para distanciar-se dos bloquistas.

“Sou favorável à existência de taxas moderadoras como instrumento de política de saúde. Em tudo aquilo que é indispensável promover, as taxas moderadoras devem ser praticamente inexistentes ou, quando muito, um pequeno sinal; em tudo aquilo que se considerar que seja excesso ou inadequado ou que não deva ser promovido, acho que devem ser aplicadas taxas moderadoras”, disse, afastando-se assim da intenção do BE de abolir as taxas moderadoras.

Esta divergência acaba por confirmar um receio que a coordenadora do Bloco de Esquerda já tinha antecipado em dezembro, em entrevista ao Expresso, pouco depois de ter sido conhecida a nomeação de Maria de Belém. Uma escolha que Catarina Martins então considerou " um sinal estranho e preocupante" por parte do Governo, dado que a ex-ministra é também consultora do grupo privado Luz Saúde.

"Uma nova lei de bases da saúde - que protegesse o SNS da predação dos privados e ao mesmo tempo conseguisse respeitar os profissionais e utentes - era uma medida que tinha espaço para uma alargada convergência política, porque não seria só acarinhada pelo BE", defendeu a dirigente bloquista.

Entretanto os trabalhos feitos pelo Bloco com base na proposta de António Arnaut e João Semedo deram já origem à apresentação, no passado fim-de-semana, do anteprojeto do partido para uma nova Lei de Bases da Saúde.

Separar definitivamente o sector público do sector privado na saúde, acabar com as Parcerias Público-Privadas, possibilitar a dedicação exclusiva dos profissionais da saúde ao serviço público e reforçar a valorização das suas remunerações e carreiras são alguns dos eixos prioritários dos bloquistas.

Embora o documento ainda esteja aberto a discussão, a intenção dos Bloco é que passe a projeto final e dê entrada na Assembleia da República até ao final da atual sessão legislativa, de forma a que seja ainda possível trabalhar no Parlamento no sentido de aprovar uma nova Lei de Bases da Saúde até ao final da legislatura que deu origem à geringonça.