A provocação surge já na parte final da entrevista a João Galamba: citando Augusto Santos Silva, perguntámos “gosta de malhar na direita?”. E João Galamba vai direto ao ponto. “Gosto de malhar, desmontar e combater argumentos com os quais eu discordo. E que normalmente são à direita”, admite, com um sorriso.
É reconhecido como um dos mais combativos e exuberantes defensores das causas socialistas no Parlamento ou em debates televisivos. Assume que às vezes se empolga e vê nisso o reflexo de “uma pessoa convicta das ideias que defende”. Mas rejeita o rótulo de trauliteiro que a direita lhe colou. “Ser contundente nas ideias que se defende, procurar estar informado e defendê-las com rigor é a negação do que é um trauliteiro. Um trauliteiro é alguém que dá pancada por dar pancada. Eu procuro fundamentar sempre as minhas opiniões”, contrapõe, reconhecendo sem problemas que já se arrependeu de algumas coisas ditas no calor dos debates.
“Quem é que não se arrepende? É saudável uma pessoa arrepender-se de coisas que tenha feito”, sublinha, recordando, a propósito, a ocasião em que pediu desculpas ao então ministro das Finanças Vítor Gaspar. “Achei que tinha cometido um excesso e na audição seguinte comecei a minha intervenção por pedir desculpa ao ministro Vítor Gaspar. Porque tinha sido excessivo e injusto com ele. Quando entendo que cometi algum erro ou me excedi com alguém não tenho dificuldade em reconhecer”, garante. “Mas quando não me excedi e entendo que os críticos não têm razão, mantenho sempre as minhas posições”, completa.
João Galamba não tem alvos preferenciais nos debates com a direita e garante que as trocas mais acesas de ideias com as outras bancadas não comportam nada de pessoal. “É fruto da circunstância”, diz. E faz um esforço por moderar-se? “Às vezes”, diz, entre risos. E consegue? “Acho que tenho vindo a moderar-me mais ultimamente”, argumenta, antes de assegurar que não há nada de estratégico nessa tentativa de assumir uma postura menos ríspida.
“Fiz 40 anos... Eu não sou muito calculista em relação a mim próprio. É um amadurecimento normal de alguém que chegou à vida política tarde. Não tive experiência de juventudes partidárias, entrei na política em 2009, através de blogues e no início transportei um bocado para a vida política a contundência que se usava nos blogue. Depois, como é normal, uma pessoa vai ganhando alguma experiência e a moderação também vem com isso. Vamos aprendendo”, resume.
A falta de calculismo não significa, no entanto, que não tenha ambições políticas. “Claro que tenho”, solta. E quer chegar a ministro das Finanças? “Não... eu neste momento tenho ambições de fazer bem o meu trabalho, que é muito importante, enquanto deputado. Sobretudo numa legislatura como esta, com a importância que o Parlamento tem na negociação à esquerda. Dou muito valor à função que desempenho hoje. Mas obviamente que tenho pretensões a um dia participar num Governo, como secretário de Estado ou ministro. Mas tenho muito tempo para isso. Agora estou concentrado nas minhas funções”.
“Mostrámos que é possível implementar uma alternativa política”
Sobre a atualidade política, João Galamba admite o gozo especial que sentiu com a eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo. “Mas é um gozo com substância: porque mostrámos que é possível implementar uma alternativa política”, defende, convicto de que a presidência do Eurogrupo não será um presente envenenado para o Governo português, pela eventualidade de Centeno ficar associado a medidas de austeridade impostas a outros países.
“Como diz o outro, um homem é sempre um homem e a sua circunstância. E Mário Centeno será presidente do Eurogrupo em determinadas circunstâncias e não outras. Se me perguntassem se eu gostava de ver o ministro das Finanças de um Governo de esquerda apoiado pelo BE e pelo PCP como presidente do Eurogrupo com os debates que ocorriam na zona Euro em 2010, 2011 ou 2012, eu diria não. Seria claramente incompatível com a política protagonizada por este Governo e defendida por esta maioria. Mas o contexto é outro, os debates são outros e o consenso europeu é outro”, frisa o porta-voz e deputado do PS, que remete para o Governo a responsabilidade sobre um eventual agendamento da discussão europeia sobre a renegociação das dívidas públicas.
“O que não deve fazer é pôr em cima da mesa uma discussão que ninguém quer ter e em que ela estivesse derrotada à partida. Se for essa a avaliação do Governo, a discussão não deve ser lançada. E pelas informações que vou tendo e por declarações várias do PM e de Mário Centeno, infelizmente parece ser o caso”, diz um dos deputados socialistas que subscreveram o relatório produzido com o BE sobre a sustentabilidade da dívida portuguesa.
Já no que respeita à evolução da economia portuguesa, Galamba mantém a confiança de que a despesa fixa que está a ser criada para o futuro com os aumentos extraordinários de pensões ou com o descongelamento de carreiras não encaminhará o país, a médio prazo, para novos problemas de sustentabilidade nas contas públicas.
“Nestes dois anos houve um esforço de devolução de rendimento às famílias que terá continuidade, mas não é eterna e muito menos com o ritmo que tem sido feito. Houve um efeito de descompressão face ao passado que tenderá a atingir uma certa normalidade”, contextualiza, notando que se a despesa crescer em média abaixo do crescimento do PIB nominal, a estabilidade fica garantida.
“As medidas implementadas nos orçamentos não são irresponsáveis. Essa preocupação está acautelada. Tivemos os dois défices mais baixos da democracia portuguesa, para o ano também vamos ter, a dívida está numa trajetória descendente, temos um saldo primário dos mais elevados da zona Euro. Ainda agora a Fitch disse que um saldo primário em torno de 2.5% do PIB dá garantias de responsabilidade nas contas públicas e de diminuição da dívida pública”, diz, enfatizando o facto de a agência ter “subido rating em dois níveis, surpreendendo o mercado, depois de ter sido aprovado um orçamento que é provavelmente o mais redistributivo desde o 25 de abril”.