Os embaixadores José Freitas Ferraz, em Lisboa, e Álvaro Mendonça e Moura, em Nova Iorque, foram as batutas que conduziram a pequena orquestra (a task force) da diplomacia portuguesa que levará Guterres a secretário-geral da ONU. José Freitas Ferraz garante que “não houve compromissos assumidos” por Guterres e que ninguém lhos pediu.
Foi uma campanha difícil?
Foi uma campanha feita sempre pela positiva, por instruções e desejo do próprio engenheiro Guterres, que o quis, não vendo os adversários como inimigos, e por outro também não quis que se reagisse a atitudes mais duras ou críticas a nível internacional.
Mas havia alguns que ele temia mais...
Há oito meses, quando partimos para a campanha, ele próprio disse que pensava que as suas possibilidades eram de cerca de 20%. Não sendo apoiado por nenhuma grande potência, desde o princípio percebemos que ele tinha a capacidade de se tornar o candidato do compromisso final.
Reunindo o voto positivo de todo o Conselho de Segurança?
Numa altura em que a estrutura oficial da ONU é posta em causa, existe por parte dos membros do CS a necessidade de mostrar resultados em questões concretas. Isso jogou a favor dele.
Falou-se com que países?
Muitos, porque tínhamos em conta que Guterres era já muito conhecido pelos decisores internacionais, por ter sido primeiro-ministro durante seis anos e ter estado à frente do ACNUR dez. Estes interlocutores sabiam, porque o mundo é pequeno, que ele tem uma enorme capacidade para fazer pontes.
Neste oito meses não houve fugas...
A task force era uma estrutura muito ligeira, composta por representantes do gabinete do PM, do PR, do MNE, o diretor dos serviços de organizações multilaterais e o diretor-geral de Política Externa. Tinha uma geometria variável, iam buscar-se as pessoas de que se necessitava no momento, sempre em articulação com as nossas embaixadas nos 15 países do CS, o que permitia analisar quase diariamente e tomar as medidas adequadas.
Os outros candidatos cometeram erros?
Um dos grandes erros foi terem feito campanhas públicas muito agressivas, usando o Twitter quase de hora a hora. É uma arma de dois gumes porque cansa e pode ser perigoso.
Uma campanha low profile, portanto?
Sim, porque nos dirigíamos essencialmente a um eleitorado de 15 países e 15 representantes permanentes. Não havia necessidade e até seria desaconselhável fazer uma campanha com um perfil muito forte e global.
A entrada em cena de Kristalina Georgieva foi uma surpresa?
Ninguém sabia.
Como viu a atitude da Alemanha e do presidente da Comissão Europeia?
Como o engenheiro Guterres diz, “sempre pela positiva”.
Estavam tranquilos?
Sim. Na realidade, infelizmente, em termos de Nova Iorque e numa perspetiva internacional, a Europa não é assim tão grande nem pesa tanto.
A Europa não existiu neste processo.
Nem tinha de existir.
Mas ao fim de muitas décadas a Europa podia ter um candidato.
E nós apresentámos um candidato europeu, e a Europa ganhou.
Muitos consideram a ONU uma estrutura caduca.
Mas é a estrutura a que todos recorrem. Todos os países têm interesse em voltar a dar uma nova dinâmica e nova centralidade a essa estrutura. Lendo a imprensa internacional, anglo-saxónica e asiática, vê-se que existe uma enorme esperança pela tomada de posse de António Guterres.
Houve compromissos para a sua eleição?
Da nossa parte não. E na realidade isso não lhe foi pedido, ele não foi confrontado com esse tipo de pedidos.
Qual foi o momento mais importante neste processo?
A primeira votação. Vimos logo ali o grande apoio que tinha e que depois foi confirmado sistematicamente em todas as outras. Percebemos que ele era o único candidato no qual o Conselho de Segurança demonstrava verdadeiro interesse.
Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 8 de outubro de 2016