Não se sabe porquê, mas era assim. Onde chegava Mário Soares — fosse em campanha eleitoral, fosse, depois, em visita presidencial — era sempre rodeado de pessoas que o querem cumprimentar, insultar, abraçar, beijar, enfim que desejam tocar-lhe.
À frente dessa gente vêm, invariavelmente, as mulheres. Puxavam-lhe pelo casaco, arrepanhavam-lhe as bochechas (Soares tinha a alcunha de ‘o bochechas’), saltavam-lhe ao pescoço, apertavam-no em abraços. Ao contrário de muitos outros políticos que se viam nestas cenas por mera obrigação, Soares adorava-as. Embora, por vezes, passado o cerimonial, não conseguisse esconder o cansaço – e isto há já 30 anos.
Mas na longa história de abraços, beijos e apertos, que, seguramente, deixa a anos-luz qualquer outra figura pública do passado ou do presente, há duas histórias com peixeiras que vale a pena contar.
Para além das diversas mulheres que lhe apertam a cara, chamando-lhe, carinhosamente, «bochechinhas», temos o episódio da vendedora de peixe do mercado de Almada que lhe atirou um peixe à cara na altura em que ele era ainda primeiro-ministro do famigerado ‘Bloco Central’ (coligação PS/PSD).
Sem se desconcertar, limpando a cara com um lenço, Soares deu-lhe um raspanete: então a vida está cara e a senhora desperdiça assim o peixe? Porém, o momento mais desconcertante foi na sua campanha presidencial de 1986, quando uma varina, em plena Nazaré rendida a Soares (os pescadores levantaram em peso um Citroen Mehari com o candidato lá sentado), lhe gritou:
“Oh, senhor doutor, olhe que consigo ainda dava uma cambalhota!!!”.
A comitiva entreolhou-se. As mãos colocaram-se à frente das bocas para reprimir o riso. Só Soares, na altura com 62 anos, pareceu ficar impávido, nada admirado com o insólito da cena. Nas calmas, respondeu:
“Comigo? Com esta idade, só se for por currículo!”.