É de Setúbal e foi a Serra da Arrábida que, aos dez anos, o motivou a defender o planeta. Chama-se Francisco Ferreira e é presidente da Associação Zero, Associação Sistema Terrestre Sustentável, uma organização não governamental fundada em 2015 para defender os valores da sustentabilidade. Foi um dos primeiros ativistas em Portugal. Lutou para acabar com as casas clandestinas na Arrábida e defendeu o rio Sado com fervor, a maternidade dos golfinhos, numa manifestação na Praça do Bocage, em Setúbal. Na altura, eram cerca de dez pessoas. No entanto, para Francisco Ferreira, o auge da luta climática, em Portugal, aconteceu em 2019, quando milhares de pessoas foram do Marquês de Pombal até à Assembleia da República alertar acerca do aquecimento global e das consequências das alterações climáticas.
Na sua opinião, a pandemia teve um efeito dramático ao acalmar este tipo de ativismo “absolutamente essencial” e que existe noutros países da Europa. “Passamos a ter uma diversificação de associações e organizações com diferentes estratégias. Algumas têm um papel de alerta junto da comunicação social, mas também de investigação, estudo e de atuação junto do Governo, das empresas e da população, como a Zero, enquanto outras praticam um ativismo mais radical”. O presidente da Zero explica que, apesar dos métodos ou formas de atuar serem distintos, o objetivo é o mesmo; alertar face à inação da emergência climática.
“Compreendo que vivemos num certo desespero. Em Portugal, vemos as emissões dos transportes a aumentarem. As empresas a falar de sustentabilidade, mas em certos casos sem fazerem apostas estruturantes e com melhores resultados e vemos as pessoas sensibilizadas à causa climática, mas não vão além disso.” Para Francisco Ferreira, este ativismo mais radical, de cortar estradas e pintar quadros como o último apelo pelo planeta, está “longe de alcançar resultados" e pode fraturar a sociedade. “Isso tem acontecido e acaba por não conseguir ter os resultados desejáveis”.
Os problemas ambientais arrastam-se de governo em governo. Portugal resolveu o problema das lixeiras ao ar livre, mas não resolveu o da reciclagem e redução de resíduos. Resolveu o problema do tratamento de água, mas não o uso eficiente. Francisco Ferreira concorda e confessa que esteve ligado, na década de 90 do século passado, ao 1º Plano estratégico dos resíduos sólidos urbanos, aquele que determinou o fim das lixeiras. “Sinto de forma dolorosa termos falhado na elaboração do 1.º Plano dos Resíduos Sólidos Urbanos. Limpámos o país das lixeiras, mas criámos outro problema; os aterros, quando já havia a visão de que o caminho a seguir era a recolha seletiva porta a porta”, lamenta. E sublinha que se devia ter investido nos três R: redução, reutilização e reciclagem. O que passados tantos anos, ainda não foi feito.
Para Francisco Ferreira, a solução no caso dos resíduos, passa por pagar pelos resíduos individualmente, tal como pagamos a fatura da água. “Quem produz mais lixo indiferenciado e não recicla tem de pagar mais”, depois precisamos de separar os bioresíduos e dar-lhes um destino certo. Por fim, é fundamental desenvolver a recolha porta a porta. “Não nos bastam ecopontos”.
O ambientalista refere que, na Europa, os casos de Itália e Espanha são exemplos a seguir. Quanto às águas, o presidente da Zero diz que dotamos o país com estrutura de águas residuais, mas não estamos a reutilizá-las. “Nem chega a 2% o aproveitamento das águas residuais. 98% da água residual vai parar ao mar”.
A circularidade dos produtos
Segundo a Eurostat, Portugal tem uma taxa de circularidade de materiais de apenas 2,2%, quando a média comunitária ronda os 13%. Para Francisco Ferreira, dever-se-ia desde logo investir no design do produto; naquilo que se coloca no mercado. De garantir que o material é circular. “O setor do têxtil já o está a fazer. Estamos também a permitir descontar no IRS, ou ter desconto no IVA quando se faz a reparação de produtos, em vez de fomentar a compra de um novo”. Em Portugal há um problema de fundo: falhamos muito na recolha e na separação. Temos muitas pessoas a colocarem, por exemplo, embalagens no lixo indiferenciado, que poderiam ir para reciclagem, mas como não foram colocadas no lugar certo estão contaminadas e não têm tanta qualidade. Nunca temos a solução certa. “Estamos a discutir uma taxa para os plásticos leves, caso dos sacos para as frutas e legumes, mas se o saco for de papel ou de outro material já não paga a taxa. Isto não faz sentido. Eu não quero é a embalagem. Quero que cada um vá ao supermercado com o seu saco”.
Francisco Ferreira realça que fomos muito bem sucedidos na taxa sobre os sacos de plástico, mas “temos de expandir isto a um conjunto de comportamentos e de formas de consumo. Não estamos a conseguir. Daí a taxa de circularidade ser muito baixa”. Depois, há ainda aspetos de regulação. “Precisamos de simplificar e de fazer legislação que tenha por base os 3 R. É aqui que estamos a falhar.”
Orçamento de Estado para 2024 pouco verde
A Zero fez uma análise preliminar da proposta do Orçamento de Estado para 2024 na perspetiva da sustentabilidade ambiental e climática e, no conjunto, dá nota negativa ao documento apresentado. A proposta do Governo não tem a ambição necessária face à necessidade urgente de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, de travar o contínuo aumento da produção de resíduos, de promover uma gestão sustentável dos recursos hídricos e de adotar uma modelo de agricultura que contribua para a restauração da natureza e coesão social.
Nesta entrevista ao podcast Ser ou Não Ser, Francisco Ferreira fala também sobre a energia como um dos maiores desafios que temos pela frente. “Precisamos de chegar a 100% de eletricidade renovável tão rapidamente quanto possível. Seria bom perto de 2030. Temos de eletrificar o país”. Segundo Francisco Ferreira, não faz sentido termos gás em casa. Seja propano ou gás natural fóssil. Portugal tem de expandir a energia solar e a eólica, mas de uma forma sustentável, sem prejudicar o ambiente.
O hidrogénio verde é uma solução, no entanto, quando se produz via energias renováveis perde-se aproximadamente um terço dessa energia. “É preciso fazer as escolhas certas e aí Portugal falha. Há opções políticas na área da energia que não estão a cumprir os critérios de eficiência”, lamenta, apontando o dedo ao facto de neste momento ainda se utilizar 70% de combustíveis fósseis —importados, para produzir energia. Por isso, acredita que o futuro passa por garantir o bem-estar e qualidade de vida numa “suficiência”, ou seja, de usarmos apenas o suficiente sem desperdiçar.
'Ser ou não ser' é um podcast semanal sobre o mundo da sustentabilidade, da ecologia e da responsabilidade. A cada episódio, mergulhamos em tópicos relevantes, desde práticas individuais até iniciativas globais, com convidados apaixonados por este tema. Damos voz a líderes de empresas, ativistas, empreendedores e especialistas, para partilharem experiências e soluções inovadoras para um futuro mais sustentável. 'Ser ou Não Ser' é um podcast do Expresso SER, com moderação da jornalista Teresa Cotrim e o convidado residente Frederico Fezas Vital, professor e consultor na área da inovação social, impacto e empreendedorismo. A coordenação está a cargo de Pedro Sousa Carvalho.