Aos 12 anos, Joana Brás vivia apavorada com medo que algo de mau acontecesse aos pais ou à irmã. Não havia nenhuma razão para isso. Tudo estava bem, eram saudáveis e a vida corria sem sobressaltos, mas o pensamento obsessivo em torno da morte invadia-a, sem que conseguisse tirá-lo da cabeça. Acreditava que a única forma de aliviar a ansiedade e evitar que o pior se concretizasse era desfazer aquele pensamento. E, para isso, tinha de repetir o que quer que estivesse a fazer no momento em que a ideia a assaltara.
“Senti que a doença chegou muito rápido, porque eu comecei a ter alguns comportamentos repetitivos e depois comecei a repetir tudo. Comecei por repetir acender e apagar luzes, abrir e fechar portas ou ver-me ao espelho numa determinada posição para, de repente, fazer repetições com todos os comportamentos, com escrever palavras, com respirações, com piscar os olhos, com tudo”, conta Joana Brás, hoje com 27 anos, no novo episódio do podcast do Expresso dedicado à saúde mental.
Com o tempo, os rituais tornaram-se cada vez mais longos. Não bastava repetir uma vez, mas duas, dez, 20, 30. Até praticamente não restar tempo ou espaço na sua vida para mais nada. Na escola, os colegas achavam que era “esquisita” e alguns afastavam-se dela. Noutros casos, foi ela própria que se isolou para que não estivessem sempre a questioná-la sobre a razão daqueles comportamentos. Até porque não saberia o que responder. Tinha “consciência da irracionalidade”, mas não conseguia parar.
“Eles vão achar que eu sou maluca, porque eu própria acho que sou. Acho que estou a enlouquecer”, pensava, com cada vez maior angústia.
Quando ainda estava na adolescência, os pais procuraram ajuda e encontraram as respostas que buscavam na psicoterapeuta Sofia Santos, há 20 anos especializada no tratamento desta perturbação e atualmente diretora técnica da Domus Mater, associação que dá apoio a doentes com POC e aos seus familiares.
Igualmente convidada neste episódio do podcast “Que Voz é Esta?”, a especialista explica as principais causas desta patologia. As pessoas com personalidade obsessiva - muito perfeccionistas, exigentes consigo próprias e com os outros, metódicas e mentalmente organizadas - têm maior propensão para vir a sofrer de POC, mas a personalidade não faz a doença. A patologia acaba por ser muitas vezes desencadeada por experiências traumáticas ou emocionalmente muito impactantes, como uma perda, por exemplo.
Segundo Sofia Santos, os comportamentos ritualizados e compulsivos surgem como uma forma de aliviar a ansiedade e o sofrimento. Mas quanto mais se fazem, mais se “alimenta o monstro” da obsessão.
“Quanto mais a pessoa se quer libertar deste pensamento, mais entra num ciclo vicioso, que lhe traz uma carga emocional: começa a ficar ansiosa, com angústia, com medo, bloqueada. Quanto mais não quer pensar, mais vai pensado e o sofrimento torna-se cada vez maior, ao ponto de [a pessoa] ficar mesmo limitada, de não conseguir fazer simples tarefas do dia a dia”, diz.
“Eu queria ficar aliviada. Queria que toda aquela ansiedade que me estava a invadir, que me deixava a tremer, que me deixava com suores frios, que me deixava com dor de barriga parasse... E sabia que se repetisse aquele comportamento isso parava."
Tal como aconteceu com Joana Brás, habitualmente os primeiros sintomas surgem na adolescência, mas estão a ser feitos diagnósticos em idades cada vez mais precoces, nomeadamente a partir dos 6 anos, “quando se forma o juízo crítico e as crianças começam a elaborar mais sobre os acontecimentos da vida”, explica a psicoterapeuta.
A obsessão com a sujidade ou com a contaminação, que leva a pessoa a estar permanentemente a lavar as mãos ou a casa, a acumulação de objetos e a dificuldade em libertar-se deles, a inquietação com a posição e a arrumação das coisas, perfeccionismo extremo, dúvida permanente, ou o medo de perder o controlo e fazer mal a si próprio ou a outros são alguns dos pensamentos mais comuns.
A boa notícia é que a POC tem tratamento. A psicoterapia tem-se revelado particularmente eficaz e os resultados não demoram a aparecer, garante a diretora técnica da associação que dá apoio a estes doentes. Joana Brás corrobora. Continua a ser acompanhada, mas não tem sintomas há vários anos.
“Que voz é esta?” é um novo podcast do Expresso dedicado à saúde mental. Todas as semanas, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Helena Bento vão dar voz a quem vive com ansiedade, depressão, fobia ou outros problemas de saúde mental, e ouvir os mais reputados especialistas nestas áreas. Sem estigma nem rodeios, vão falar de doenças e sintomas, tratamentos e terapias, mas também de prevenção e das melhores estratégias para promover o bem-estar psicológico. O podcast conta com o apoio científico de José Miguel Caldas de Almeida, psiquiatra e ex-coordenador nacional para a saúde mental.