O Mundo a Seus Pés

Em Moçambique, os jovens desempregados dos subúrbios das cidades lutam por “revolução”, mas “não há condições” para meses de manifestações

“Neste momento, em Moçambique, não há condições para um golpe de Estado, assim como não há condições para uma guerra civil. Na verdade, quem mais fala de golpe de Estado é o Governo.” É o que explica o autor e ativista moçambicano Jessemusse Cacinda, convidado deste episódio, argumentando que “golpe de Estado é apenas a narrativa para justificar o excesso de violência policial”. Oiça este episódio do podcast O Mundo A Seus Pés

“Não acho que seja o momento oportuno para se falar de uma revolução”, considera o convidado do podcast O Mundo a Seus Pés Jessemusse Cacinda, autor moçambicano e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Em Moçambique, as ruas estão transformadas num cenário de guerra, com a polícia a disparar contra manifestantes que contestam os resultados eleitorais de 9 de outubro. A ida às urnas saldou-se, pelo menos oficialmente, numa vitória significativa da Frelimo e do seu candidato presidencial, Daniel Chapo: 70,67% dos votos foi o resultado atribuído pela Comissão Nacional de Eleições à Frente de Libertação de Moçambique, que está no poder desde 1975. O anúncio motivou protestos populares, convocados pelo candidato que ficou em segundo lugar, Venâncio Mondlane.

Mondlane tem estado recolhido em parte incerta, por considerar que tem a cabeça a prémio. Tira essa conclusão após as tentativas de atentado a que escapou, mas que vitimaram duas figuras importantes da oposição: Elvino Dias, assessor jurídico de Mondlane, e Paulo Guambe, mandatário do seu partido, o Podemos. Moçambique tem estado em convulsão desde então.

O partido sobre o qual “pesam mais responsabilidades”, a Frelimo, “demonstrou uma série de fragilidades”. De acordo com Jessemusse Cacinda, ficou claro que “Daniel Chapo não tinha uma ideia para o país” ou um “projeto político importante”. O ativista e escritor moçambicano diz, no entanto, que o mesmo é verdade no caso de Venâncio Modlane, ainda que esteja em desvantagem devido ao “excesso” de partidarização do Estado: “Temos uma democracia que é concentrada num único partido”.

Mesmo à distância, o candidato opositor anunciou, nas últimas horas, o início da quarta fase das manifestações, e prometeu medidas mais “dolorosas”. Nas ruas, a força; na economia, a paralisação de alguns sectores - “o país literalmente parou”, diz ao Expresso Jessemusse Cacinda. Muitas pessoas com medo, outras a dizer basta à Frelimo e ao estado a que as coisas chegaram. Apesar de ver em Venâncio Modlane um porta-voz que acomoda uma série de preocupações da sociedade moçambicana, Jessemusse Cacinda acredita que este é apenas o início de uma caminhada de conquista da democracia: “Com a Frelimo fora do poder, criam-se condições para a abertura do país para a democracia". O movimento civil vai continuar, antevê o investigador.

Este episódio foi conduzido pela jornalista Catarina Maldonado Vasconcelos e contou com a edição técnica de João Luís Amorim. O Mundo a Seus Pés é o podcast semanal da editoria Internacional do Expresso. Subscreva e ouça mais episódios.