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Moçambique: o fosso entre pobres e ricos, a "fraude" eleitoral, o povo na rua e a repressão. “O meu irmão levou porrada de polícias”

À beira de uma guerra civil, dizem uns. A preparar um golpe de Estado, dizem outros. Estes são alguns testemunhos recolhidos pelo Expresso que traçam um retrato de Moçambique entregue à revolta popular. No rescaldo das eleições, que muitos acreditam que resultaram em fraude, o ambiente é de “raiva” e muita luta. A confusão entre populares e polícias está a reter muitas pessoas em casa

Manifestantes em Maputo, Moçambique
Siphiwe Sibeko/Reuters

Quando o país se divide ao meio, até a rua onde se vive tem dois lados. Entre o lado de cá e o lado de lá há mais metafísica do que se gostaria. Casa sim, casa não, mudam os conceitos de bem e mal. Poucas nuances se apresentam para fazer a moderação. A violência que o irmão de France sofreu veio das mãos de um vizinho. Ali estava, menos vizinho, mais policial - o cassetete na mão dizia tudo. Estava do lado de - e vivia tão perto. "Um polícia, sim, um vizinho que o conhece", distingue France, apartando bem os dois papéis, mas afligindo-se ainda com a divisão. "Se não fosse a intervenção de um amigo dele, que chegou ali e o confrontou por estar a bater nele..."

Foi na quinta-feira. "O meu irmão foi a uma manifestação, só estava a passar, ele levou porrada de alguns polícias, e quase perdeu a vida. Mal conseguia andar... Mal consegue andar... Isso criou-me uma revolta." Agora, em casa, em recuperação - "graças a Deus, está fora de perigo" -, é a imagem da violência policial moçambicana que afasta alguns das ruas - com medo - e estimula outros a querer enfrentar as autoridades.

France, 26 anos, é personal trainer em Maputo. Participou na manifestação de segunda-feira, e, apesar de querer que os jovens se unam e vão para a rua, sabe que tudo muda de figura no instante em que se sai de casa. "Depois de ver aqueles polícias à paisana, com armas de fogo, decidi não me colocar na rua. Fiquei assustado pelo que vi." Entre o susto e a esperança, cabe um mundo inteiro. Ou apenas a diferença que faz mais um dia. “Muitos jovens estão a querer a guerra. Se vier a guerra, venha. Nunca vi o povo tão unido, há união. Tenho esperança no Venâncio Mondlane, por mais que ouça alguns jovens estejam desiludidos por ele não aparecer."