O Futuro do Futuro

Abel Oliva produz pele artificial em laboratório: “Podemos testar novas drogas, ver com antecedência os efeitos e estudar melanomas”

Abel Oliva, investigador do Instituto de Tecnologia Química e Biológica, explica no podcast O Futuro do Futuro como tem vindo a produzir peles artificiais para levar a cabo diferentes testes com novos compostos: “Se quiser, posso fazer um modelo de pele de um indivíduo, retirando células”, sublinha o investigador argentino. Também na pele, a revolução eletrónica e os chips já começam a fazer a diferença em vários projetos de investigação

Um mês, um centímetro quadrado de pele. As contas já são bem conhecidas no Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa (ITQB) e são levadas à prática sempre que os investigadores produzem pele artificial para diferentes ensaios clínicos. “Se quiser fazer um modelo de pele de um indivíduo, posso eventualmente tirar-lhe células para recriar a pele”, explica Abel Oliva, em entrevista ao podcast O Futuro do Futuro.

“Com estas peles recriadas em laboratório podemos simular o comportamento de compostos em humanos”, explica o investigador argentino, que se encontra radicado em Portugal desde os anos 80 do século passado.

Abel Oliva, investigador do ITQB, aponta a revolução que já se perfila na interação de organismos biológicos com sistemas eletrónicos
José Fernandes

Nos laboratórios sediados em Oeiras, o desenvolvimento de pele artificial tem por ponto de partida a recolha e a cultura de células humanas sobre matrizes de polímeros que tentam replicar a consistência e a estrutura da pele.

Há limitações na recriação de peles e de gordura, mas Abel Oliva garante que a pele artificial produzida no ITQB “tem todas as características de uma pele humana” – e por isso permite replicar diferentes cenários que podem ir das técnicas de permeação de compostos para o desenvolvimento de novos medicamentos, à replicação de cancros da pele, que são conhecidos como melanomas.

“No caso das doenças oncológicas, tivemos uma colaboração com Instituto Português de Oncologia (IPO), que nos forneceu linhas celulares de melanoma. Incluímos no crescimento destas peles in vitro as células de melanoma mais frequentes para desenvolver microtumores e estudar o desenvolvimento do tumor, os efeitos ambientais, tratamentos tópicos de algum composto antitumoral ou a própria mecânica à volta do tumor”, descreve Abel Oliva.

O investigador argentino sublinha ainda que o modelo artificial do melanoma “representa a 100%, as características do humano”. “Portanto, é mais próximo da situação real”, acrescenta.

Imagem de microscópio de um pedaço de pele artificial
DR/ITQB

Abel Oliva trouxe para O Futuro do Futuro uma imagem e um som para ajudar a ilustrar o trabalho que tem feito em torno do desenvolvimento de pele internacional. A imagem foi obtida em microscópio e mostra as diferentes camadas da pele. O som dá a conhecer um apito de uma das máquinas de laboratório com que o investigador trabalha no dia-a-dia.

Abel Oliva admite que a dificuldade em replicar o aparelho sanguíneo acaba por limitar o tempo de crescimento e a dimensão dos modelos de peles artificiais, mas estas réplicas que são simultaneamente artificiais e biológicas têm a vantagem de permitir testes de fármacos em células dos doentes, para prever reações e aplicar uma nova terapia ou simplesmente garantir uma adaptação a cada pessoa. “Podemos, com este organ in a chip, testar uma nova droga no órgão e ver com antecedência o que vai acontecer”, acrescenta Abel Oliva.

Com um organ in a chip ou skin in a chip, os investigadores do ITQB ficam em condições de controlar ao detalhe diferentes interações, estímulos, compostos e fatores ambientais que afetam um pedaço de pele artificial. Além do IPO, o ITQB tem usado pedaços de pele artificial em projetos que contam com a participação da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

Abel Oliva admite que o desenvolvimento de pele artificial pode potenciar o uso de interfaces eletrónicas, que permitiriam obter informação mais detalhada, mas também poderiam ser usadas para gerar determinados estímulos ou comportamentos.

O investigador dá como exemplo as tecnologias que permitem fazer a monitorização de glicemia do sangue, mas deixa em aberto um sem número de possibilidades e cenários para os próximos tempos. “É uma revolução que está a decorrer, com essa interação da eletrónica com organismos vivos”, refere Abel Oliva.

Apesar de todas as restrições técnicas ou regulamentares, já começam a surgir ensaios e tentativas de transplante de pele produzida artificialmente com células de pacientes. Entre os pioneiros, figuram cientistas de Espanha, Estados Unidos e China.

A prática ainda está longe da vulgarização, mas Abel Oliva conhece bem o princípio. “Obtêm as células a partir do paciente e expandem, até produzirem peles. Depois, podem pôr diretamente no paciente, porque obviamente não há rejeição”, conclui.

Tiago Pereira Santos

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.


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