Luís Louro, criador da série “O Corvo” e um dos autores de Banda Desenhada (BD) mais conhecidos em Portugal, dá voz a um sentimento contraditório quando fala de tecnologias. Desde os anos 90 que o desenhador lisboeta tem vindo a incorporar tecnologias no processo criativo e abraça a Internet como meio privilegiado para a interação com os leitores, mas a chegada da Inteligência Artificial generativa deixou-o em alerta: “IA não significa Inteligência Artificial, mas sim Inteligência Alheia”, avisa Luís Louro em entrevista ao podcast Futuro do Futuro.
Sem renegar os benefícios da evolução tecnológica dos últimos 40 anos, o autor de BD é especialmente crítico da lógica de trabalho da Inteligência Artificial para desenhar ou produzir ilustrações. E diz mesmo que é a atribuição de autorias que passa a estar em causa, uma vez que o humano que deixa ao algoritmo a execução de trabalhos “não está a criar, não está a desenhar, está apenas a dar indicações a uma máquina para fazer o trabalho por ele”.
“A partir do momento em que tiramos um autor da equação, deixa de ser uma obra de arte e passa a ser apenas um produto tecnológico, uma coisa que não tem não tem alma”, sublinha o conhecido autor de BD.
Luís Louro não esconde que o ofício que desenvolveu ao longo de quatro décadas passou, de súbito, a estar em causa, devido à nova geração de ferramentas que permite que “alguém que não tem o mínimo jeito para desenhar” possa explanar ideias e conceitos artísticos ao “carregar em meia dúzia de teclas”, que inserem as instruções necessárias para a obra ficar feita.
“Se calhar, outros artistas que andam nisto há décadas não o conseguiriam fazer, e eles, em 10 minutos, fazem esse trabalho e consideram-se artistas de inteligência artificial”, refere o desenhador. “Assim, qualquer pessoa pode fazer aquilo. Nem precisa de 10 dedos, basta ter meia dúzia, e escrever num teclado o que quiser e aquilo sai. E isso para mim é desonesto”, acrescenta.
Luís Louro aproveitou um dos desafios colocados no Futuro do Futuro para dar a conhecer “O Corvo – O Despertar dos Esquecidos” que é o mais recente título da série a ser editado. E para o desafio do som trouxe o tema “Only You and You Alone” da banda The Mission.
Como seria de esperar, o novo capítulo da série “O Corvo” nada fica a dever à Inteligência Artificial, e dificilmente se verá Luís Louro a disponibilizar desenhos e álbuns para ensinar os algoritmos a fazer algo parecido. “Dificilmente qualquer artista dará autorização para que os seus trabalhos sejam utilizados por outrem e não serem creditados”, responde o desenhador.
Apesar de rejeitar dar o seu trabalho para processamento das máquinas, Luís Louro acredita que essa tendência já começou a ganhar forma através da extração de recursos na Internet.
“A máquina limita-se a ir buscar tudo o que está disponível on-line e copiar para criar uma coisa a partir do que já está feito. Isso, aliás, tem um nome: chama-se IA degenerativa; é usar obras de arte que estão protegidas por direitos de autor para criar novas obras”, descreve Luís Louro.
Os receios quanto à expropriação e ao uso indevido de trabalhos artísticos também já foram contemplados pelo Regulamento Europeu da Inteligência Artificial que deverá ganhar força de lei em breve.
Luís Louro recorda que as tecnologias comportam sempre uma dualidade – e a Internet não foge à regra. “Estou eternamente grato à Internet, por isso a Internet foi a melhor coisa e foi a pior coisa inventada… porque é sempre assim, não é?”, questiona-se.
A Internet abriu vias comunicação muito mais diretas com os leitores finais – e essa é a parte positiva da evolução tecnológica enaltecida pelo desenhador. Em contrapartida, a faceta negativa volta a remeter para a autoria da obra. “O lado menos bom da Internet das novas tecnologias é a pirataria. Já vi livros meus em sites pouco recomendáveis e sites piratas, onde o editor, provavelmente, não faz ideia que lá estão os livros. Há sempre esse lado negativo com o qual nós temos que saber lidar, como tudo na vida, não é só na tecnologia”, sublinha.
Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.