O Futuro do Futuro

“As empresas que estão a investir em IA vão ter de contratar ou formar pessoas para cumprir em segurança o Regulamento Europeu nesta área”

Com o Regulamento Europeu da Inteligência Artificial no horizonte, a entrevista ao advogado especializado em tecnologia e privacidade Vítor Palmela Fidalgo é uma visita guiada às novas regras que vão determinar como os europeus usam telemóveis e computadores. O Regulamento prevê multas máximas de 35 milhões de euros, um valor que pode ser “simbólico” para as grande smarcas. Oiça aqui o podcast Futuro do Futuro

O Regulamento Europeu de Inteligência Artificial, que deverá entrar em vigor ainda na primeira metade de 2024, prevê a constituição de entidades supervisoras nos 27 estados-membros. No circuito há quem admita que a Comissão Nacional de Proteção de Dados poderá vir a acumular essa função, mas Vítor Palmela Fidalgo, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) e advogado especializado em privacidade, direitos de autor e tecnologias, considera que a solução deverá incidir num organismo especializado, que tenha sido criado de raiz.

“Seria mais benéfico ter uma solução semelhante à espanhola e criar uma entidade nova”, responde o jurista numa entrevista ao podcast Futuro do Futuro, que é também um guião para o que vai mudar em breve na relação entre consumidores e Inteligência Artificial.

Vítor Palmela Fidalgo, no podcast Futuro do Futuro: O Regulamento Europeu admite exceções para a monitorização de pessoas e comportamentos com Inteligência Artificial
Matilde Fieschi

Apesar das críticas tornadas públicas por marcas sonantes, Palmela Fidalgo considera que o regulamento tentou uma abordagem equilibrada em relação às penalizações aplicadas para quem usa a IA indevidamente. “Para as Big Tech (as grandes empresas tecnológicas) é um valor simbólico”, admite o advogado acerca das multas que podem chegar aos 35 milhões de euros.

Sendo um regulamento pioneiro à escala mundial, as autoridades europeias tentaram conciliar benefícios de uma lei que protege direitos fundamentais com os incentivos à inovação. “Também existia aqui um objetivo político por trás do regulamento de não melindrar a inovação que possa existir no âmbito desta área”, acrescenta.

O Regulamento Geral da IA está atualmente a ser ultimado na sua versão final e deverá nas próximas semanas ser publicado no Jornal Oficial da UE. Só passados 20 dias dessa publicação se prevê a entrada em vigor nos 27 Estados-Membros. E passados seis meses, empresas e cidadãos terão de respeitar quatro níveis de risco – com especial destaque para os usos considerados proibidos, que agregam a aplicação de IA para identificação de pessoas e comportamentos.

Vítor Palmela Fidalgo recorda que a aplicação da IA para identificação e localização em espaços públicos só pode ser feita por questões de segurança nacional. “Em casos-limite pode ser usado pelas secretas”, refere o advogado.

Imagem gerada por Inteligência Artificial que gerou polémica ao colocar pessoas asiáticas e africanas vestidas de soldados nazis
Gemini/Google

Aos desafios que costumam ser colocados no podcast do Futuro do Futuro, Palmela Fidalgo respondeu com uma música produzida à maneira dos Beatles que levanta a questão dos direitos de autor que a IA terá de respeitar, e ainda uma imagem produzida pela plataforma Gemini, da Google, que levantou polémica por desenhar soldados nazis com rostos de pessoas negras e asiáticas, que dificilmente poderiam corresponder à verdade.

Foi para fazer frente aos usos indevidos da IA que o novo Regulamento foi aprovado, mas já não restam muitas dúvidas de que se trata também de uma cartada geopolítica importante.

O professor da FDUL admite que o já famoso "efeito de Bruxelas", que influencia com leis as práticas de empresas tecnológicas de outras geografias, deverá voltar a sentir-se em breve. E essa terá sido também a razão por que muitas das marcas não se coibiram de tomar uma posição especialmente crítica quanto a este Regulamento Europeu que vai ser aplicado diretamente sem votação na Assembleia da República ou promulgação da Presidência.

“Diz-se que nunca houve tanto lóbi em Bruxelas como no Regulamento Europeu de Inteligência Artificial”, lembra Vítor Palmela Fidalgo.

Tiago Pereira Santos

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.

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