Bruno Soares Gonçalves, presidente de Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), está convicto de que, mais tarde ou mais cedo, a produção de eletricidade com choques entre núcleos de átomos vai acabar por se libertar do estigma da atualidade. E para comprovar essa expectativa invoca os dados dos processos de produção e dos incidentes registados durante os ciclos de vida útil das várias tecnologias de produção de eletricidade.
“Todas as centrais que existem no mundo, que são 400, têm funcionado e operado de forma segura”, diz o cientista no podcast Futuro do Futuro.
Com carreira feita entre Portugal, Espanha e Reino Unido e a colaboração com alguns dos maiores reatores de fusão, Bruno Soares Gonçalves não esconde que é um apoiante da energia nuclear. A entrevista no podcast Futuro do Futuro serviu para retomar algumas estimativas que indicam que a eletricidade gerada nas atuais centrais de fissão nuclear produz menos emissões de dióxido de carbono (CO2) que as outras fontes de energia, se se tiver em conta o impacto da mineração de diferentes materiais e a produção industrial de equipamentos usados em eólicas, solares, ou outro tipo de centrais elétricas.
“E este é um dos motivos pelos quais a Agência Internacional de Energia e as Nações Unidas dizem que não haverá processo de descarbonização se não contabilizarmos também o papel que o nuclear poderá ter nesse processo”, sublinha o líder do IPFN.
De resto, Portugal não tem centrais nucleares, mas consome no dia-a-dia energia proveniente de centrais nucleares. Bruno Soares Gonçalves recorda que, em 2023, Portugal importou (de Espanha) 20% da eletricidade consumida. “Cerca de 5 a 6% da eletricidade que nós consumimos em Portugal tem origem nuclear”, refere o investigador.
Fusão e fissão tendem a ser confundidas, mas correspondem a métodos diferentes para a produção de energia nuclear. A fissão tem por objetivo cindir núcleos de urânio e está em prática em várias centrais dispersas pelo mundo. Como o nome indica, a fusão tem em vista fundir, através de colisões, átomos de deutério ou trítio que produzem grandes quantidades de energia com ganho – ou seja libertam mais energia que aquela que é despendida para pôr o processo a operar.
Ao contrário da fissão, a fusão só recentemente alcançou a produção de energia com ganhos – e ainda falta um longo percurso até se desenvolverem as tecnologias necessárias para uma produção de eletricidade à escala industrial.
A entrevista a Bruno Soares Gonçalves serve também para perceber como funciona a energia nuclear, e também todo o percurso histórico desta tecnologia desde as bombas de Hiroshima até ao acordo ITER, que também ajudou a desbloquear a Guerra Fria que opôs Estados Unidos e a antiga União Soviética.
O líder do laboratório associado do Instituto Superior Técnico também respondeu aos desafios do Futuro do Futuro com um som relacionado com um disparo num reator de fusão nuclear.
Apesar das sanções aplicadas na sequência da invasão da Ucrânia, a Federação Russa não foi excluída da participação no ITER, que é liderado pela UE e conta também com a participação dos EUA. O presidente do IPFN recorda que essa participação mantém-se atualmente pelo facto de a Federação Russa fornecer componentes e não haver transferências de dinheiro. “Tem-se conseguido viver esta paz, algo ténue, e mantido a colaboração da Federação Russa”, refere Bruno Soares Gonçalves, admitindo que o acordo para a construção do ITER possa ter de vir a ser sujeito a uma revisão.
Enquanto projetos como o ITER se deparam com os problemas que caracterizam as relações entre estados, a veia empreendedora de homens de negócios e cientistas promete abrir novos caminhos para diferentes abordagens e famílias tecnológicas dentro da fusão nuclear. “Existem 33 empresas de fusão neste momento no mundo. Foi investido dinheiro. No ano passado falava-se em cerca de 4,6 mil milhões de euros”, afirma Bruno Soares Gonçalves.
Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos