O Futuro do Futuro

Bruno Soares Gonçalves: "O mundo tem 400 centrais nucleares e funcionam de forma segura"

Portugal continua sem centrais nucleares e até o reator laboratorial que teve no passado foi desmantelado, mas isso não impede que se consuma, no País, eletricidade produzida pelos choques com átomos de urânio. “Cerca de 5% a 6% da eletricidade que nós consumimos em Portugal tem origem nuclear”, refere Bruno Soares Gonçalves, presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear no podcast Futuro do Futuro. O cientista defende que é chegada a hora de estudar o papel que o nuclear pode ter nas várias fontes de energia usadas no País, e recorda ainda os números que indicam ser esta a forma de obter eletricidade com menos emissões de dióxido de carbono. Uma entrevista para quem quer perceber como se produz energia a partir da fissão e da fusão dos átomos

Bruno Soares Gonçalves, presidente de Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), está convicto de que, mais tarde ou mais cedo, a produção de eletricidade com choques entre núcleos de átomos vai acabar por se libertar do estigma da atualidade. E para comprovar essa expectativa invoca os dados dos processos de produção e dos incidentes registados durante os ciclos de vida útil das várias tecnologias de produção de eletricidade.

Bruno Soares Gonçalves, presidente do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, recorda que as Nações Unidas apontam o nuclear como uma forma de "descarbonização" da produção de energia
Matilde Fieschi

“Todas as centrais que existem no mundo, que são 400, têm funcionado e operado de forma segura”, diz o cientista no podcast Futuro do Futuro.

Com carreira feita entre Portugal, Espanha e Reino Unido e a colaboração com alguns dos maiores reatores de fusão, Bruno Soares Gonçalves não esconde que é um apoiante da energia nuclear. A entrevista no podcast Futuro do Futuro serviu para retomar algumas estimativas que indicam que a eletricidade gerada nas atuais centrais de fissão nuclear produz menos emissões de dióxido de carbono (CO2) que as outras fontes de energia, se se tiver em conta o impacto da mineração de diferentes materiais e a produção industrial de equipamentos usados em eólicas, solares, ou outro tipo de centrais elétricas.

“E este é um dos motivos pelos quais a Agência Internacional de Energia e as Nações Unidas dizem que não haverá processo de descarbonização se não contabilizarmos também o papel que o nuclear poderá ter nesse processo”, sublinha o líder do IPFN.

De resto, Portugal não tem centrais nucleares, mas consome no dia-a-dia energia proveniente de centrais nucleares. Bruno Soares Gonçalves recorda que, em 2023, Portugal importou (de Espanha) 20% da eletricidade consumida. “Cerca de 5 a 6% da eletricidade que nós consumimos em Portugal tem origem nuclear”, refere o investigador.

Gráfico com emissões de dióxido de carbono por fonte energética, que Bruno Soares Gonçalves trouxe para o podcast Futuro do Futuro para justificar a sustentabilidade da energia nuclear
DR


Fusão e fissão tendem a ser confundidas, mas correspondem a métodos diferentes para a produção de energia nuclear. A fissão tem por objetivo cindir núcleos de urânio e está em prática em várias centrais dispersas pelo mundo. Como o nome indica, a fusão tem em vista fundir, através de colisões, átomos de deutério ou trítio que produzem grandes quantidades de energia com ganho – ou seja libertam mais energia que aquela que é despendida para pôr o processo a operar.

Hiroshima depois da primeira bomba atómica. Bruno Soares Gonçalves recorda uma exposição sobre as primeiras bombas nucleares que viu na infância e que haveria de se manter na memória
DR

Ao contrário da fissão, a fusão só recentemente alcançou a produção de energia com ganhos – e ainda falta um longo percurso até se desenvolverem as tecnologias necessárias para uma produção de eletricidade à escala industrial.

Imagem do reator nuclear que era gerido pelo Instituto Superior Técnico
IPFN

A entrevista a Bruno Soares Gonçalves serve também para perceber como funciona a energia nuclear, e também todo o percurso histórico desta tecnologia desde as bombas de Hiroshima até ao acordo ITER, que também ajudou a desbloquear a Guerra Fria que opôs Estados Unidos e a antiga União Soviética.

Ronald Reagan, antigo presidente dos EUA, durante a ciméria com Mikhail Gorbatechev, líder político da antiga URSS, que haveria de abrir caminho à construção do reator ITER
DR

O líder do laboratório associado do Instituto Superior Técnico também respondeu aos desafios do Futuro do Futuro com um som relacionado com um disparo num reator de fusão nuclear.

Apesar das sanções aplicadas na sequência da invasão da Ucrânia, a Federação Russa não foi excluída da participação no ITER, que é liderado pela UE e conta também com a participação dos EUA. O presidente do IPFN recorda que essa participação mantém-se atualmente pelo facto de a Federação Russa fornecer componentes e não haver transferências de dinheiro. “Tem-se conseguido viver esta paz, algo ténue, e mantido a colaboração da Federação Russa”, refere Bruno Soares Gonçalves, admitindo que o acordo para a construção do ITER possa ter de vir a ser sujeito a uma revisão.

Enquanto projetos como o ITER se deparam com os problemas que caracterizam as relações entre estados, a veia empreendedora de homens de negócios e cientistas promete abrir novos caminhos para diferentes abordagens e famílias tecnológicas dentro da fusão nuclear. “Existem 33 empresas de fusão neste momento no mundo. Foi investido dinheiro. No ano passado falava-se em cerca de 4,6 mil milhões de euros”, afirma Bruno Soares Gonçalves.

Tiago Pereira Santos

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos

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