O Futuro do Futuro

“As pessoas tomam o Ozempic, mas depois voltam a ter dificuldades em controlar os níveis de açúcar no sangue e nunca curam a diabetes”

Uma grande fatia da população portuguesa é diabética e não sabe. Joana Sacramento, investigadora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, tem vindo a desenvolver uma nova tecnologia que poderá abrir caminho a implantes que prometem reverter a diabetes tipo 2. Estamos quase na hora de rever o rastreio da doença, mas é preciso ter cuidado com medicamentos como o já famoso Ozempic: “Não basta tomar um comprimido, a pessoa tem que mudar de hábitos de vida.” Oiça a conversa no podcast O Futuro do Futuro

Os corpos carotídeos ainda permanecem envoltos em mistério, mas Joana Sacramento, investigadora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, conseguiu deslindar uma pista que poderá abrir caminho a um implante bio-eletrónico com potencial para a reversão da diabetes. A investigação obteve resultados surpreendentes com ratos, e ainda vai levar tempo até que seja criado um dispositivo que possa ser usado pelos humanos, mas na Universidade Nova de Lisboa há a expectativa de criar um novo método de tratamento para uma doença que afeta mais de 500 milhões de pessoas.

“Há um nervo que liga o corpo carotídeo ao cérebro. Quando nós cortamos esse nervo, somos capazes de reverter a diabetes tipo 2”, explica a cientista da Universidade Nova de Lisboa.

Os corpos carotídeos, que só começaram a ser conhecidos de forma mais detalhada na primeira metade do século XX, estão situados em bifurcações da artéria carótida, no pescoço. Destes curiosos corpos saem os nervos do seio do corpo carotídeo para estabelecer ligações com o cérebro.

Joana Sacramento, cientista da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, admite que as análises à glucose em jejum podem não ser suficientes para detetar a diabetes na fase inicial da doença
Nuno Fox

Poderíamos ser levados a crer numa solução simples e universal, que corta o nervo para reverter a diabetes, mas Joana Sacramento recorda que o corpo carotídeo funciona também como um sensor quando deteta a quantidade de oxigénio no sangue, além de muitas outras funções que ainda não são conhecidas e que poderiam perder-se caso o nervo fosse cortado.

Perante os riscos inerentes de um eventual corte, Joana Sacramento e os restantes cientistas, liderados por Sílvia Conde, iniciaram testes com elétrodos que ajudam a modular a função do nervo do seio do corpo carotídeo e assim reverteram a diabetes tipo 2, que é largamente maioritária face à diabetes tipo 1.

“Durante cinco semanas (os ratos) estiveram com essa atividade do nervo bloqueada”, refere Joana Sacramento. Durante o período de teste não foram detetados efeitos secundários ou comportamentais nos ratos, mas depois dos testes surgiu então a surpresa: “Quando paramos essa modulação, os animais voltaram a ficar novamente com diabetes tipo 2”, informa Joana Sacramento.

A reversão e o posterior regresso dos diabetes levam a crer que um implante bio-eletrónico, caso alguma vez venha a entrar no circuito clínico, terá de ser usado de forma contínua a fim de garantir que a insulina secretada pelo pâncreas volta a produzir o efeito desejado quando entra em contacto com os tecidos adiposos e os músculos dos ratos com diabetes tipo 2.

“Testámos uma abordagem por via eletrónica. Tínhamos um dispositivo que enviava esses impulsos elétricos que testámos para perceber que tipo de impulso teríamos de aplicar. Então avaliámos isso. Os ratos estavam continuamente submetidos a esse impulso elétrico. Com o passar do tempo, eles voltavam a ficar sensíveis à insulina”, descreve Joana Sacramento.

Apesar dos resultados auspiciosos, Joana Sacramento prefere balancear os ânimos quanto ao desenvolvimento de um primeiro implante para a reversão da diabetes tipo 2 que terá ainda de ser sujeito a exigentes testes e certificações antes de chegar ao mercado. “Toda a parte de desenvolvimento do dispositivo requer ainda algum tempo”, avisa a cientista.

A investigadora sublinha que ainda falta perceber se o dispositivo criado nos laboratórios lisboetas “será eficaz ao longo da doença toda. Não sabemos se será eficaz numa fase mais inicial da doença ou numa fase mais tardia. Temos ainda aqui muitas coisas que têm que ser avaliadas”, acrescenta.

O projeto em curso na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa apenas se aplica ao tratamento da diabetes tipo 2. Enquanto o tipo 2 se distingue pelo facto de a insulina continuar a ser secretada, mas já não produzir efeito desejado no processamento do açúcar absorvido por músculos e tecidos adiposos, a diabetes tipo 1 tem origem nas células beta do pâncreas que perdem capacidades e afetam a produção de insulina.

Geralmente, a diabetes tipo 1 revela-se entre infância e adolescência. A diabetes tipo 2 pode levar anos a revelar-se na plenitude e só ser diagnosticada na idade adulta ou mesmo na terceira idade.

Joana Sacramento está convicta de que qualquer tratamento inovador para a diabetes tipo 1 terá de seguir “uma abordagem completamente diferente” daquela que se tem vindo a desenvolver para a tipo 2.

Ao contrário da diabetes tipo 1, a diabetes tipo 2 é muito influenciada pelo sedentarismo ou pelos hábitos alimentares de cada um. “Muitas pessoas, numa fase inicial, se alterassem os seus hábitos de vida, em termos de alimentação e de exercício físico, se calhar conseguiam reverter ou, pelo menos, conter a doença, sem terem que começar logo com medicamentos”, refere Joana Sacramento.

Em resposta a um dos desafios habituais do podcast Futuro do Futuro, Joana Sacramento trouxe uma imagem pormenorizada do corpo carotídeo. Num segundo desafio, a cientista recorreu a uma reportagem da SIC que dá conta de que 40% dos portugueses têm diabetes e não sabem.

O próprio método de rastreio mais comum, com a análise da glucose em jejum, pode não facilitar a deteção precoce da diabetes, porque “numa fase inicial, esses valores (que permitem diagnosticar a doença) ainda podem estar normais”.

Joana Sacramento admite que, nos casos em que há sinais relacionados com obesidade ou outros fatores de risco, se privilegiem os exames de rastreio que têm por base as reações à ingestão de glucose.

Imagem pormenorizada do corpo carotídeo, que se encontra no pescoço
Constancio Gonzalez

“É uma coisa que é bastante simples. Pode não ser agradável, mas é só ingerir aquela quantidade de glucose e depois retirar duas amostras de sangue, uma hora e duas horas depois”, responde a investigadora.

Além do diagnóstico, também a mudança de hábitos e costumes é imprescindível para escapar à diabetes. E nem medicamentos, como o já famoso Ozempic, chegam para rejeitar esta lógica. “A questão é que quando as pessoas também param de tomar o fármaco, voltam a ganhar peso”, acrescenta Joana Sacramento.

“Não basta tomar um comprimido, a pessoa tem que mudar de hábitos de vida”, conclui Joana Sacramento.

Tiago Pereira Santos

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos

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