O Ricardo Araújo Pereira dizia aqui no podcast que o humorista tem de ter a capacidade de encontrar o humor no seu espaço político, não só no adversário. São assumidamente fãs de Zeca Afonso, mas com os Homens da Luta estão a criar uma sátira à volta disso.
Sim, cascávamos. Normalmente a punchline nos Homens da Luta era o final do sketch, em que depois de uma manifestação na luta contra a pobreza, a dar tudo, eu e o meu irmão íamos para o Ramiro comer sapateira e dizer "Epá, Falâncio, eu não gosto de pobres. Porque um pobre nunca me pagou um copo." Esse paradoxo das personagens, em que faziam a luta mas eram uns grandes burgueses, essa era a punchline do número. A personagem ajuda-te nisso, fora da personagem é mais difícil. Pode ser feito, mas eu acho que posso ser um humorista profissional e só bater num lado. É claro que estou limitado. Imagina um benfiquista. Pode ser um humorista profissional e só atacar o Sporting e o Porto. Eficientemente e com piadas com qualidade. É claro que estou limitado, porque não dou no meu clube. Também se aplica à política. Não nos podemos esquecer que o humor, a técnica humorística, ao longo do tempo, sempre foi uma ferramenta muito eficaz de propaganda. Porque uma das características do humor é desmistificar o sagrado, seja ele qual for. Político, religioso, clubístico, económico, social. Tudo o que está no mundo imutável de valor da sociedade, ou valor pessoal, valor institucional - o humor ataca aí, desfaz, vai corroer e mandá-lo abaixo.
Que impacto é que achas que os Homens da Luta tiveram na política?
Tiveram impacto na medida em que a própria situação política metia os Homens da Luta num género de centro do furacão. Por exemplo, quando começámos em 2004, 2005, fazíamos esse sketch como fazíamos os outros. Ali estavam os Homens da Luta na sua paródia, a comer o seu marisco, a participar nas suas lutas, a chatear os políticos. Com isso ganhámos uma empatia das pessoas. "Os Homens da Luta são bacanos". De repente chega a crise, em 2008, 2009. As circunstâncias mudam. Os Homens da Luta viram-se no meio de uma contestação social com uma credibilidade de já existirem. Uma coisa era surgir a crise e fazermos as personagens como reação, outra coisa era já existir e de repente a crise metia-te no ponto ótimo para surfar aquela onda. E foi o que nós fizemos. Por exemplo, apanhámos ali o fim do Sócrates [como primeiro-ministro] e na altura estávamos na SIC, e recebíamos queixas do chefe de gabinete do Sócrates. "Vocês estão a mandar-me esses gajos para aqui." Íamos para as campanhas, ele chegava, saía do carro, via que estávamos lá e metia-se outra vez dentro do carro e ia-se embora. Acabava a campanha. Éramos detidos, e isso causava um impacto em quem via. Dava força a uma certa contestação. Éramos instrumentais, por assim dizer. Não éramos a causa, mas ali estávamos nós a ajudar a corroer.
Dizias no podcast do Diogo Faro que há pessoas do Chega que querem os Homens da Luta de volta. Que sentido é que isso faz?
Faz muito sentido.
Porquê?
Como o próprio nome indica os Homens da Luta são da luta. E são da luta contra o poder. Estando no poder alguém que é de um lado oposto ao Chega, a quem é do Chega dá jeito que haja luta. Mesmo que essa luta não venha de um lado que eles apoiam. Por exemplo, tirando os Homens da Luta do pedaço. O Chega foi para a manifestação da habitação. Porquê? Querem lá estar, querem ser solidários com quem se manifesta, porque são um partido de protesto. São um partido que beneficia com o protesto. Quanto mais protesto melhor. Um número como os Homens da Luta, que se solidarizava com as lutas, fossem elas quais fossem. Estás na luta, estamos aqui para dinamizar, com canções a animar-te. Interessa a quem quer a luta, que haja protesto. Na altura, quando acabou o Sócrates, ali em 2011, houve uma grande turbulência política. Muitas manifestações de rua. Cai o Sócrates e ganha a direita. Portanto de uma certa maneira a direita beneficiou de toda a contestação que houve contra o Sócrates, muita vinha da esquerda. No fundo a direita apresentava-se como uma alternativa, a esquerda na altura apresentava-se basicamente como um protesto. Essas circunstâncias, às vezes, para quem faz humor político, metem-te no meio de uma dinâmica que tu não dominas, apenas participas. Ou seja, se estás a fazer humor político, a bater, metaforicamente, em quem lá está, às vezes com esse ataque participas numa corrosão de algo que outros vão aproveitar. E às vezes não são da tua linha de pensamento, mas tu participas ou tens a possibilidade de decidir se queres ou não participar.
Pessoas do Chega quererem os Homens da Luta de volta chateia-te?
Não me chateia, mas afasta qualquer pensamento que eu tenha de regresso dos Homens da Luta.
Gostavas de voltar a ter um projeto de humor político, que não os Homens da Luta?
Não, essa oportunidade já surgiu para mim, muito dificilmente surgirá outra vez. Tenho essa noção. Tenho a certeza de que o humor é um gerador de empatia, e vês isso em vários países em que os humoristas normalmente são das pessoas mais queridas e reconhecidas. Têm muita empatia da população e isso é uma mais valia política. Não me admirava nada que aqui surgisse um humorista que decidisse candidatar-se.
Gustavo Carvalho faz perguntas sobre comédia. O convidado responde. Sorriem… é humor à primeira vista. Oiça aqui mais episódios: