Geração 70

Bárbara Bulhosa: “Os hábitos de leitura são maus, a concorrência é brutal. Não podemos desistir. Dizer 'os livros são ótimos' não resulta”

Nasceu em 1972, em Lisboa. Perdeu o pai cedo, ainda não tinha seis anos. Foi criada pela mãe e pelo padrasto, de quem recebeu a herança de esquerda: “chamavam-nos os esquerdalhos e tínhamos orgulho nisso! Hoje os meus filhos sabem que o 25 de Abril é o dia mais importante do ano”. A paixão pelos livros vem desde pequena, talvez por ter crescido rodeada deles. Foi diretora da Bulhosa e, em 2005, fundou a Tinta-da-China, “sem dinheiro e sem autores”. Acredita que a “herança democrática” ficou enraizada nos portugueses, mas alerta para os “riscos" da extrema-direita. Bárbara Bulhosa é a convidada do podcast Geração 70, conduzido por Bernardo Ferrão. Ouça aqui a entrevista

José Fernandes

Nasceu em 1972, em Lisboa. Perdeu o pai cedo, ainda não tinha seis anos. A mãe voltou a casar e foi criada pelo padrasto numa casa “com três assoalhadas”, em São Domingos de Benfica - “fui muito feliz naquela casa”.

A infância foi passada na rua, com os amigos e a brincar no parque do jardim mesmo à frente de casa. Em criança ouvia, “vezes sem conta”, o disco “Pano-Cru”, mais concretamente a música “O 2º Andar, Direito”, de Sérgio Godinho. “Não era uma coisa muito natural para uma miúda pequena”, confessa.

A mãe era Bióloga e professora no Liceu, o padrasto era médico. O pai, militar, morreu aos 34 anos.

José Fernandes
José Fernandes

Na fase escaldante do país - até aos anos 80 - em casa falava-se “sempre” de política, recorda. Recebeu a herança de esquerda da mãe e do padrasto que faziam questão de no 25 de Abril vestirem-se de vermelho e pôr Zeca Afonso a tocar (tudo para “irritar” o marido da porteira do prédio que tinha sido agente da PIDE, conta). “Chamavam-nos os esquerdalhos e tínhamos orgulho nisso! Hoje os meus filhos sabem que o 25 de Abril é o dia mais importante do ano”.

Há anos que publica livros sobre o 25 de Abril, mas a Revolução dos Cravos “é quase uma obsessão”, confessa. Numa conversa com Bernardo Ferrão, partilha uma fotografia rara do pai tirada depois dos militares terem ocupado a RTP. “Saber que ele tinha feito parte daquilo foi muito bonito. Mais tarde, já quase aos 50 anos, descobri um vídeo do meu pai, o Tenente Serras Lopes. Tinha sotaque alentejano. Nunca tinha ouvido a voz dele”.

José Fernandes
José Fernandes

Cresceu rodeada de livros e como talvez já fosse esperado, apaixonou-se por eles em criança e o padrasto foi o culpado. “Eu não sabia o que queria fazer, mas queria ser culta. Era a minha grande ambição e foi ele que me passou isso”.

Estudou literatura, história, fez parte da direção da Bulhosa e é hoje diretora e fundadora da Tinta-da-China.

Casou aos 19 anos e divorciou-se aos 39. Foi sempre conhecida como Bárbara Bulhosa, apelido do ex-marido, “fiquei com o nome dele, não tem importância. Já na altura da faculdade era a Bárbara Bulhosa. Todos me conhecem assim.”

José Fernandes

Sentiu-se “quase obrigada” a abandonar a Bulhosa e ficou sem emprego. Chamou a amiga Inês Hugon e “sem dinheiro e autores” criaram a Tinta-da-China. “Ganhámos um projeto do Instituto do Emprego e Formação Profissional e tivemos um ano a trabalhar no sótão da minha casa”, conta. Foi o ex-marido, Jaime, que escolheu o nome da editora.

A Tinta-da-China é hoje uma editora de sucesso. Rui Tavares foi o primeiro autor e “vendeu bem”, na altura cerca de 6 mil livros. Nos dias de hoje, com Ricardo Araújo Pereira, já chegou aos 70 mil.

O baixo consumo de leitura em Portugal preocupa-a, assim como os vícios dos “livros de supermercado” e a “concorrência brutal” dos telemóveis e redes sociais, mas sabe que será sempre uma eterna fiel à “experiência de ler um livro”.

José Fernandes

Bárbara Bulhosa é a convidada do mais um episódio do podcast Geração 70. Fundadora da primeira editora “com termo de identidade e residência”, mulher de convicções e coragem. Orgulhosa da independência da Tinta-da-China, mas que ainda sonha ter uma livraria.

Convicta de que os livros “são um mundo”, sempre quis chegar às pessoas e fugir dos temas que acha “eruditos”. Acredita que a “herança democrática” ficou e que a “democracia está bem entranhada” nos portugueses, mas alerta para os “riscos” da extrema direita. Responsabiliza o Estado pela falta de hábitos de leitura, mas não deixa de elogiar o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa por dar o exemplo, por ler e por organizar e participar em feiras do livro.


Paulo Alves

Geração 70