Marco Martins é um dos criadores mais interessantes e relevantes da nossa ficção e há muito que leva ao palco e ao grande ecrã as histórias das pessoas que não têm voz - as invisíveis, as ignoradas, as mal tratadas, as que ficam sempre fora do retrato. E, através das suas criações, no teatro e no cinema, confronta-nos com as realidades perturbadoras dessas comunidades frágeis - ditas minoritárias - que estão na margem, usando a sua arte para denunciar e fazer-nos refletir sobre a condição humana - e no que há nela de mais belo e grotesco.
Autor de filmes como “Alice” - que ganhou o prémio de Melhor Filme na Quinzena de Realizadores de Cannes, “São Jorge” ou o mais recente “Great Yarmouth - Provisional Figures”, sobre a mão de obra sazonal de imigrantes portugueses para tarefas que os britânicos não querem fazer, Marco filma e encena acima de tudo para lançar as grandes questões que ainda não têm as respostas suficientes. E as suas criações partem sempre de muita pesquisa e recolha documental antes de se tornarem ficção.
Nesse processo passou a ser hábito a mistura no elenco de atores e não atores. Num confronto entre arte e vida, vida e arte. A conversa começa precisamente por aí. Sobre o que o move a fazê-lo.
Importa dar nota que “Alice” e “São Jorge” foram ambos candidatos à nomeação dos Óscares para Melhor Filme Estrangeiro.
E que na televisão Marco Martins foi o realizador da série “Sara”, estreada na RTP2, que terá sido mal amada nos bastidores de uma certa direcção de programas, mas que passou a ser uma das melhores criações da última década, uma sátira ao meio do audiovisual, protagonizada por uma das suas atrizes de eleição, Beatriz Batarda. Marco recorda esse momento e conta o que mais aprendeu nesse processo feito de muitas alegrias e contra tempos.
No teatro, enquanto diretor artístico da plataforma “Arena Ensemble” já assinou mais de uma dezenas espetáculos como “As Criadas”, “Perfil Perdido”, “Selvagem” (galardoado com o ‘Globo de Ouro’ para melhor peça de teatro em 2022) ou os mais recentes “Pêndulo” e “Blooming”.
No “Pêndulo” trabalhou com um grupo de mulheres imigrantes, cuidadoras e empregadas domésticas e, a partir dos seus testemunhos e relatos, construiu um espectáculo que não é biográfico, mas sim uma história coletiva destas trabalhadoras que fazem em Portugal os trabalhos que ninguém quer. Muitas delas a cuidarem e a darem afeto aos nossos mais velhos. Uma peça que teve uma longa carreira internacional em Itália, França, Croácia, Polónia, ou Alemanha.
E este ano com “Blooming” - a partir de um projecto europeu para as comemorações das comemorações dos 100 Anos de Ulysses, de James Joyce - criou um espectáculo com crianças de instituições de acolhimento do Barreiro: uma reflexão sobre a vida numa instituição, a procura de um lugar de abrigo e o passado e o futuro que cada uma delas recorda ou imagina.
A arte pode ser o caminho para a cura de muitas dessas feridas? É-lhe perguntado também.
Como sabem, o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de Matilde Fieschi. E a sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro.
A segunda parte deste episódio será lançada na manhã deste sábado. Boas escutas!