Beatriz Gosta é uma dama que, através do humor, faz cheque-mate a pessoas machistas, retrógradas, conservadoras ou pudicas. Chama-se Marta Bateira, mas tornou-se conhecida em 2015 no Youtube como Beatriz Gosta, um alter-ego de língua solta, sotaque do norte carregado, sexualmente livre e empoderada, com um carisma fora de série, discurso subversivo e muita, muita graça que chegou rapidamente à rádio e à televisão.
Podemos dizer que foi também para acontecimentos destes, de ‘Beatrizes’ que metem o pé na porta e ocupam o espaço público, levando outras mulheres a gostarem mais delas próprias, a reivindicar igualdade de direitos e a assumir tanto os seus desejos e engates, como os desafios e cansaços da gravidez e da maternidade, que se fez o 25 de Abril.
E sobre isso chega a dizer que o seu público é maioritariamente feminino e LGBTQIA+. E revela a mesma opinião que Capicua expressou em tempos neste mesmo podcast, sobre o facto dos homens heterossexuais não apreciarem e não se envolverem no que as mulheres fazem na arte e na vida.
“Sempre que um homem hetero vem ter comigo para me pedir uma foto é para a namorada, para a esposa, para a mãe. Eles não são meus fãs. Os homens heterossexuais não são fãs de mulheres. A mulher é fã do homem, é ‘groupie’ deles seja na música ou qualquer arte. Mas o homem só é ‘groupie’ de outros homens. Eles só gostam de fazer sexo com mulheres e do seu corpo. Mas não gostam de conversar com elas, não gostam dos assuntos, da arte e do humor delas. Isto está a mudar, mas ainda é muito pouco. Eles têm de estar mais a par do que se passa no universo feminino, no corpo e na mente da mulher.”, afirma neste podcast.
Na recente série “Beatriz Gosta Embaraçada”, exibida no 5 para a meia noite, na RTP, revelou sem culpas nem vergonhas tolas, como conheceu o pai da sua filha Luíza numa aplicação de encontros (Com Z) e as dificuldades da gestação e de ser mãe a solo. Sem romantizar a carga pesada que ainda recai mais sobre as mães. E deu para rir muito e foi um “babado”. (Expressão muito sua sobre acontecimentos hilariantes, interessantes e curiosos). Porque as dores e as tragédias são sempre o melhor combustível para a comédia. O humor foi sempre a sua maior arma? E o que mais mudou em si e no seu humor, depois da maternidade?
“Até fazer a série ‘Embaraçada’ e ‘Desembaraçada’ ninguém falava da maternidade real, não romantizada. As mães estiveram caladas durante muito tempo, recalcaram. Agora fala-se mais do que nós mães abdicamos e passamos a nível mental e hormonal. A fase da gravidez e puerpério foi algo traumático para mim. Além do cansaço por não dormir, tive uma revolta por sentir que nós mulheres somos sobrecarregadas, com a ideia romântica da ‘mulher guerreira’ enquanto os pais não fazem o seu trabalho, esquivam-se. Há até mães solos casadas. Que até têm que tomar conta do filho grande, que é o marido”, chega a contar neste episódio.
Antes de levar o riso dos outros muito a sério, Marta experimentou a cultura do hip hop, e começou a cantar rap com a sua amiga Capicua, tomando para si a língua livre da rua. Começou aí a misturar expressões nortenhas, brasileiras, angolanas, nortenhas, criando um twist só seu, que é o mambo Beatriz Gosta. O rap foi a melhor escola para o seu humor?
Este seu mambo é tão único e cómico que desde o final de 2019 chegou aos palcos, em formato stand-up, com o espetáculo “Quem Acredita Vai”, que a levou a percorrer o país de norte a sul, afirmando-a como uma das principais vozes femininas da nova geração de humoristas portuguesas. Em 2023, Beatriz Gosta estreou novo espetáculo, RESORT. Espécie de sonho com pulseirinha e bar aberto perante uma realidade que a tem virado do avesso.
Eis o que desvenda a sinopse:
“Depois de dois anos de pandemia. Depois de amores e desamores, depois de se endividar para cumprir o sonho da casa própria, depois de virar mãe solo, trabalhadora independente e do sector da cultura. Depois de reconstruir uma autoestima, voltar ao ginásio e pôr mamas de silicone. Depois de sobreviver à privação do sono, a viroses de infantário e à toxicidade das redes sociais. Beatriz Gosta precisou de parar. Férias? Retiro? Escapismo? RESORT pode ser tudo isso e um ‘burnout’ numa hora e pouco de espectáculo. Sempre naquele equilíbrio ténue entre rir de nervoso e gargalhar até… pingar na cueca.”
Na segunda parte desta conversa, Marta Bateira começa por falar da melancolia e da solidão de uma artista ao chegar ao hotel sozinha, após um espetáculo com casa cheia. “No hotel, depois de um show de sucesso, palmas, ‘selfies’, adrenalina, ligas a TV, róis um chocolate que trouxeste do camarim e bate aquela solidão. Sentes falta de partilhar aquilo com alguém.”
E revela o lado desafiante das relações amorosas, quando se é independente e se criou “uma casca grossa”. E declara: “No fim de contas, um homem fica com uma mulher se ela não o chatear. Eu dou trabalho. E eu não sou fácil. A vida não é fácil. E gosto de um homem que me dê luta, que seja curioso e queira crescer. Dá para crescermos e evoluirmos juntos. Esse terá sido o maior desafio nas minhas relações. Sentir se aquilo me está a acrescentar e caminhamos juntos. A determinado caminho um foi para a esquerda e o outro para a direita.”
E ainda acrescenta que a seu ver estes tempos não são favoráveis para o amor e para novas relações saudáveis. “Não sei se as pessoas comeram pouca gente na adolescência, mas nas aplicações de encontros as pessoas ficam sempre à espera da próxima pessoa que vai aparecer. Pensam na pessoa que ainda pode estar para vir, melhor do que a que têm à sua frente e com quem até sentem uma identificação. E nunca a porta está fechada, não se entregam ao momento. Não tenho esse apoquentamento, quando estou com uma pessoa dou-me, sou monogâmica, só gosto de uma pessoa de cada vez.”
E ainda há tempo para se discutir mais a fundo sobre machismo tóxico e sexismos, da crise na Habitação, de política e até de prazer e sexualidade saudável, com muito humor, sem falsos pudores. Podem ouvir sobre isto e muito mais, numa conversa muito hilária e desarrumada.
E como habitual ficarão a conhecer algumas das músicas que a acompanham.
Nesta nova temporada o genérico é assinado por Márcia e conta com a colaboração de Tomara. Os retratos são da autoria de José Fernandes. A sonoplastia deste podcast é de João Ribeiro com o apoio de Salomé Rita.
Voltamos para a semana com mais uma pessoa convidada. Até lá pratiquem a empatia e boas escutas!