É um rosto conhecido de várias séries e novelas e assumiu há meses um novo papel, o de comentador no espaço de debate “Malditas Segundas-Feiras", na SIC Notícias. E enquanto cidadão e artista, o ator Manuel Moreira tem revelado uma forte preocupação pelas desigualdades económicas e sociais no nosso país, sempre com uma voz crítica e atenta aos movimentos de ódio e preconceito contra a comunidade LGBTQIA+ e outras tantas minorias como as pessoas racializadas, expondo as agressões que estes grupos ainda sofrem e a sua persistente falta de oportunidade e representatividade na sociedade.
Ele próprio expôs há dois anos os ataques homofóbicos que sofreu nas redes sociais por parte dum grupo de adolescentes, ataques que continuam a acontecer nas escolas, nas famílias, nas ruas, pelo país, como vários estudos indicam e até por parte de alguns elementos de segurança, como ficou claro com uma investigação recente de um consórcio de jornalistas.
O ator conta neste episódio em podcast que recebeu o convite de Ricardo Costa (diretor-geral de informação do grupo Impresa) com surpresa e responsabilidade e revela o papel que ali desempenha. “Aterrorizou-me o compromisso de formar opinião todas as semanas e, com isso, veio uma responsabilidade. Estou ali sem ligações políticas, mas como ator, ativista, de esquerda.” E acrescenta: “Não há comentadores na televisão que sejam assumidamente LGBTI e comprometidos com essas causas. Sei que a minha responsabilidade e vontade é trazer pontos de vista que a maior parte dos outros comentadores não vão trazer. Porque não lhes diz respeito, não os sentem na pele, e têm agendas políticas.”
Manuel Moreira começou a trabalhar como ator logo na adolescência. Estreou-se na televisão em 1999 com a série “A Raia dos Medos”, na RTP, mas ficou conhecido do grande público um ano depois com a personagem “Pedro”, da série juvenil “Uma Aventura”, projeto adaptado dos famosos livros com o mesmo nome de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. E aqui comenta com humor que mesmo hoje, aos 40 anos, ainda é abordado por esse seu papel, e nas situações mais inusitadas. “Em todas as fases da minha vida, e em todo o lado, tive pessoas a fazer graçolas com a série “Uma Aventura”. Seja na rua ou ‘apps’ de engate. Tenho 30 ‘printscreens’ no Grindr de pessoas que me escreveram ‘vem comigo viver uma aventura’. Acham mesmo que nunca ouvi essa piada? Não é isso que me vai fazer apaixonar.”
Olhando pelo retrovisor, Manuel Moreira recorda que só aos 26 anos, depois de várias experiências em palco, decidiu estudar na Escola Superior de Teatro e Cinema. E revela ter passado por uma certa travessia no deserto quando terminou o curso, já que durante uns anos os convites para castings e papéis abrandaram e teve de trabalhar durante seis anos num bar, no Bairro Alto, para pagar as contas. E explica nesta conversa sobre como se conhece muito sobre a natureza humana atrás de um balcão de um bar da noite.
Há muito que Manuel Moreira deixou de trabalhar na noite, mas dançar continua a ser um dos seus grandes prazeres. E aqui lembra como nos momentos pessoais mais duros e difíceis da sua vida a pista de dança foi salvífica. “Durante o ano e meio de terror da doença da minha mãe, sair à noite e desligar na pista a dançar e chorar foi o que me salvou.”
Neste episódio, Manuel fala ainda de um dos temas que mais o preocupam no momento: A crise na Habitação. Ao longo da vida, Manuel Moreira já morou em cerca de 15 ou 20 casas, já lhes perdeu a conta. E, recentemente, partilhou nas suas redes sociais que o T3 onde viveu toda a sua adolescência, está fechado há 24 anos, desde que a sua família saiu. Depois deles, nunca mais ninguém lá morou. O ator acrescenta que uma situação assim “é imoral” e que ali podia ter morado uma família nos últimos 24 anos. E declara: “Ainda bem que este Governo diz que uma das suas prioridades é a Habitação. Mas já deveria ter sido há mais anos. As conversas agora são “ah, o meu irmão tem 30 anos e tem de voltar para casa dos pais”, ou sobre pessoas que se divorciam e fazem o luto da relação juntas, porque não têm dinheiro para pagar duas casas. E as pessoas que não têm pais que lhes dêem abrigo? É o maior drama de momento em Portugal e tem de ser resolvido.”
Ainda sobre o mesmo tema, o ator deixa claro que o receio de muitos portugueses é também o seu. “O meu prédio vai ser vendido nos próximos meses e estou cheio de medo. A minha obsessão é juntar dinheiro para quando sair deste ter as malfadadas 5 rendas [de entrada] que já pedem.” Sobre os privilégios fiscais do Governo dados aos nómadas digitais, o ator mostra-se igualmente crítico sobre o papel do Estado nesta matéria.
“Não tenho nada contra os nómadas digitais. Se pudesse trabalhar remotamente e alguém me dissesse que país X tem imenso sol, que a comida é ótima, dão-te um visto e não tens que pagar grandes impostos, também ia. Não sou sonso. Cada país tem de perceber em que ponto da sua história está e que dificuldades a sua população tem no acesso à habitação, e se o facto dos nómadas digitais estarem a vir em peso e a pagar 1.200 euros de renda, que para eles é ‘peanuts’, porque ganham 4.000 euros, se calhar o país tem de facilitar a habitação aos seus jovens. Os nómadas virão na mesma."
De volta ao teatro, Manuel Moreira está atualmente a ensaiar, “O Misantropo – por Hugo van der Ding e Martim Sousa Tavares a partir Molière”, um espetáculo integrado na digressão “Odisseia Nacional”, do Teatro Nacional D. Maria II, com antestreia marcada para dia 3 de março no Centro Cultural Olga Cadaval, e estreia prevista para dia 11 de março no Teatro Municipal de Bragança, seguindo depois em digressão por todo o país.
Neste episódio em podcast, o ator chega a ler um poema de Alice Neto de Sousa e revela algumas das músicas que o acompanham. E ainda recebe uma pergunta surpresa de uma das suas maiores amigas. Isto e muito mais para ouvir.
Como sabem, o genérico é uma criação original da Joana Espadinha, com mistura de João Firmino (vocalista dos Cassete Pirata). Os retratos são da autoria do Nuno Botelho. A sonoplastia deste podcast é de João Luís Amorim.