O sociólogo António Barreto escreveu sobre si, num dos livros de fotografias, o seguinte: “Quando chego à minha idade e olho para trás, tenho a impressão de que a minha vida está cheia de destroços.” Crítico do país, da Europa e do mundo, fala aqui dos seus e de outros destroços, os de vários partidos da esquerda e da direita que depois destas eleições legislativas poderão enfrentar o fim. E considera iniciar-se agora um tempo de ouro para o país com esta inesperada maioria absoluta do PS. Para as vozes que classificam de perigosa esta vitória esmagadora de Costa, Barreto responde: “É tão perigoso para a democracia uma má maioria absoluta como uma má coligação, uma péssima geringonça ou instabilidade permanente.” Crítico do estado atual da Justiça, considera que sem uma boa reforma judicial “não há constituição, não há democracia, não há parlamento que resista.” Dos tempos de ministro da Agricultura e Pescas, entre 1976 e 78, António Barreto arrepende-se “de uma coisa ou outra”, mas o seu grande lamento é não ter aprendido a cantar.
A gravação desta conversa decorreu no escritório do sociólogo António Barreto, no bairro da Lapa, em Lisboa, com uma estante de livros de análise política e social do chão ao teto. Começámos pelo inesperado resultado das eleições legislativas. Já que contra o que previa o oráculo das sondagens, o país pintou-se de cor de rosa e o PS venceu estas legislativas com maioria absoluta. E, sobre isso, chega a dizer: “A população votou no PS pela ingratidão dos dois partidos à esquerda que estão destruídos.”
Há muito que Barreto passou a marcar a opinião de muitos portugueses através das suas crónicas nos jornais que tantas vezes funcionam como um descodificador para a neblina política, económica e social em que vivemos. E neste episódio faz uma espécie de raio X político a todos os partidos, vaticinando a morte de vários.
A liberdade foi o valor que mais perseguiu e a democracia tem sido uma luta de sempre. E não é manso a criticar o estado atual da Justiça portuguesa, considerando que se vive uma espécie de faroeste dos ricos e poderosos. “Acuso diretamente a magistratura portuguesa, que está a portar-se mal. O que defende a democracia não é o voto. O voto faz a democracia. O que defende as liberdades não é a urna. As liberdades levam-nos à urna. O que defende a liberdade e a democracia é a justiça. Se não houver justiça, não há constituição, não há democracia, não há parlamento que resista.”
Esta nova temporada conta com um novo genérico, uma linda criação original da Joana Espadinha, com mistura de João Firmino (vocalista dos Cassete Pirata). A nova imagem é assinada pelo fotógrafo Tiago Miranda e pelo gráfico Mário Henriques. Como habitualmente, a edição áudio deste podcast é do João Luís Amorim.
Voltamos para a semana, com mais um convidado. Até lá, já sabem, pratiquem a empatia e boas conversas!
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