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Desigualdade em Portugal: queres que te faça um desenho?

Quando discuto questões relacionadas com a discriminação de género que ainda existe em Portugal, da mais à menos subtil, tenho por regra partilhar alguns números que ajudem a perceber. Contudo, muitas vezes os dados oficiais parecem não ser suficientes, e a tendência para se tentar arranjar justificações para o injustificável é bastante comum. Nessas alturas, dou por mim a pensar: “Caramba, é preciso que te faça um desenho?”. A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género parece ter pensado no mesmo e o resultado é o lançamento de um documento precioso, simples e gráfico, onde não faltam bonecos que explicam os indicadores-chave para perceber em que ponto Portugal está em 2017.

Pegando nas próprias palavras da CIG, o documento divulgado ontem e disponível neste link para quem o quiser ver “visa promover e partilhar o conhecimento relativo à situação atual de mulheres e homens em várias áreas da sociedade, nomeadamente na educação, emprego e desemprego, conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, pobreza, poder e tomada de decisão, violência de género e LGBTI”. Se têm dúvidas sobre se isto da desigualdade entre homens e mulheres é um mito, ou não passa de uma tendência feminina para a vitimização, sugiro que o espreitem e que tirem algumas conclusões.

Formação vs Gap Salarial

Igualdade de Género em Portugal - Indicadores Chave 2017 / CIG

Embora partilhe aqui convosco alguns dos “bonecos” que podem ajudar a perceber algumas realidades essenciais para uma discussão séria, há dados que acho que vale a pena referir. Começando pelo facto de as mulheres estarem duplamente representadas em maioria em dois diferentes grupos: primeiro, “no grupo que não apresenta nenhum nível de escolaridade completo, o que poderá traduzir a falta de escolarização da população feminina mais idosa” . E quanto isto, faço questão de relembrar que, no nosso caso, o acesso e investimento na formação foi amplamente desencorajado durante décadas, basicamente, o lugar da mulher era em casa, a tratar da família, confinada ao universo doméstico; em segundo lugar, somos – ironicamente – também a maioria no grupo com ensino superior completo, algo que representará a camada mais jovem da população feminina. Quanto a isto, acho também importante referir que já há mais de vinte anos que o número de mulheres com ensino superior concluído é francamente maior do que o de homens. Ou seja, lamento, mas vinte anos depois, o eterno argumento preguiçoso de que a liderança das empresas e dos cargos político tem mais homens porque não há mulheres com o mesmo grau de experiência e de formação já começa a ter demasiadas teias de aranha para continuar a ser usado.

O mesmo para quando essa justificação é dada quando falamos na diferença média de ordenados: “Os homens, em média ganham 990,05 euros de remuneração base mensal enquanto as mulheres auferem 824,99 euros, assistindo-se a um gap (diferencial) de 16,7%”, novamente, dados oficiais da CIG. Que deixa clara outra questão que consegue ainda ser mais alarmante e reveladora. “O diferencial salarial entre mulheres e homens está estreitamente relacionado com os níveis de qualificação: à medida que aumenta o nível de qualificação, maior é o diferencial salarial entre homens e mulheres, sendo particularmente evidente entre os quadros superiores. Neste nível de qualificação, o gap é de 26,4% na remuneração base”. E esta, hein?

O documento da CIG revela também que, embora sejam mais qualificadas em termos de educação (com exceção dos sectores de Engenharia, das Indústrias Transformadoras e da Construção), a taxa de emprego das mulheres continua a ser menor que a dos homens. No que toca ao tempo de trabalho diário, também há um desfasamento: por um lado, “os homens afetam, ao trabalho remunerado, em média, mais 27 minutos por dia do que as mulheres” (são, em média, apenas 27 minutos a mais, entenda-se. Talvez também esteja na altura de deixar cair o argumento de que as mulheres têm muito menos disponibilidade de tempo do que os homens no que toca a ‘estar presente’ – o que, já agora, não é sinónimo de produtividade). Já no que toca às tarefas domésticas e de cuidado (o tal trabalho não pago), em média, as mulheres trabalham, em casa, mais 1 hora e 45 minutos por dia do que os homens. Feitas as contas ao total do trabalho pago e não pago, as mulheres continuam a trabalhar mais 1 hora e 13 minutos por dia do que os homens.

Um bom indicador de mudança são os números referentes às licenças parentais: embora as as mulheres continuem a apresentar a maior percentagem de licenças parentais, a percentagem de homens que, em 2005, partilhava os 120 a 150 dias de licença não chegava aos 0,5%, mas em 2015 já ia em 27,5%. Sinal de mudança de mentalidades?

Igualdade de Género em Portugal - Indicadores Chave 2017 / CIG

A importância da lei como agente de mudança

Ainda hoje o Presidente promulgou a lei da representação equilibrada de mulheres e homens nos órgãos de gestão (a chamada lei das quotas de género), que gerou imensa discórdia, sendo apontada (preguiçosamente!) como uma forma de discriminação positiva, e como uma medida totalmente desnecessária. Contudo, os vários acordos para a autorregulação revelaram-se ineficazes e a CIG também mostra isso neste documento: em 2016, nos conselhos de administração das empresas do PSI 20exisitam apenas de 14% de mulheres.

Por outro lado, no que toca a cargos políticos, é interessante perceber a evolução na Assembleia da República após a aprovação da chamada Lei da Paridade: a representação de mulheres passou de 21,3%, em 2005, para 33%, em 2015, sendo que apenas neste último ano se atingiu o limiar de paridade de acordo com o que estava definido. Depois, quando olhamos para as Câmaras Municipais, o cenário é bastante revelador de quão necessária é ainda a existência de tais leis para regular o mundo político. “Em 2013, apenas 23 das 308 Câmaras tinham na sua presidência mulheres, sendo a maioria (285) presididas por homens”. Ou seja, 92% destes cargos são ocupados por homens e apenas 7,5% são por mulheres. Porquê? As mulheres são menos competentes? São menos qualificadas? Ou será que se calhar ainda temos de quebrar os hábitos antigos de se privilegiar determinado género no que toca à liderança, por exemplo?

Espreitem o documento, analisem os números, discutam-nos e partilhem-nos. O caminho faz-se em conjunto e a discussão – construtiva e informada – faz parte da estrada que nos levará a uma sociedade mais par.

Igualdade de Género em Portugal - Indicadores Chave 2017 / CIG