Ricardo Reis

A resposta portuguesa à crise

Hoje de manhã, os ministros da Economia e das Finanças anunciaram um conjunto imediato de medidas para ajudar com a crise económica causada pelo Covid-19. No pacote de medidas, poucas são aquelas que efetivamente “dão” algo às empresas, sem nada em troca. Mas, pelo menos por enquanto, talvez seja esta a resposta adequada.

As empresas e os trabalhadores independentes não vão ter de pagar um mês de contribuições sociais. Para os comerciantes, as taxas de utilização de multibanco são temporariamente abolidas. Tudo o resto (a maioria, aliás) tem que ver com adiar pagamentos devidos às Finanças ou à Segurança Social, seja para um mês mais tarde, ou para daqui a vários meses, aliviando o encargo em cada período. Este foco nas necessidades de liquidez prementes das empresas é fundamental nesta altura. Ele assegura que a economia não entra numa espiral de incumprimentos, tendo por base uma ideia simples: a de usar as receitas dos meses futuros para pagar, daqui a algum tempo, as obrigações devidas hoje. Não se trata de dar dinheiro ou perdões, mas antes alterar o timing de pagamentos.

Há um racional económico por detrás deste tipo de políticas. A diluição das necessidades de liquidez no tempo e a intervenção do Estado como garantia nas linhas de crédito agora anunciadas responde às necessidades imediatas das empresas, sem representar um risco acrescido para os bancos e sem aumentar a dívida. Os livros de economia chamam ao comportamento que estas medidas pretendem induzir de “substituição intertemporal” – um conceito essencial para perceber a resposta a este choque.

Simplisticamente, podemos dizer que temos dois cenários à nossa frente. No mais otimista, o forte constrangimento ao trabalho que vivemos pode ser curto no tempo, menos de um trimestre. Nesse caso, a economia pode gerar riqueza “a mais” nos trimestres seguintes para compensar o que não produziu neste. No cenário mais pessimista, as pessoas têm de ficar em casa por um período mais alargado. Então, é mais difícil produzir o que não se produziu antes e, nesse caso, a recessão será profunda.

No primeiro cenário, o foco das políticas nas próximas semanas e meses deve, efetivamente, assentar na tal substituição intertemporal: criar condições que permitam usar as receitas do futuro para colmatar as falhas do presente. O pacote hoje apresentado vai nesse sentido: adiar (não eliminar) o pagamento de impostos de hoje para daqui a alguns meses nada mais é do que usar as receitas de amanhã para pagar o que seria devido hoje. Recorrer à dívida pública não mais é do que financiar necessidade urgentes com os impostos que cobraremos nos próximos anos. Igualmente importante, é garantir que as pessoas e empresas cujos rendimentos mais caem nesta fase (turismo, artistas, trabalhadores independentes) possam pedir dinheiro emprestado ou ver obrigações fiscais adiadas, superando constrangimentos de liquidez, e usar os rendimentos de amanhã para pagar esse crédito.

Finda a fase de emergência, a retoma será tão mais pronunciada quanto maior a substituição intertemporal. Isto significa dar às pessoas e empresas ferramentas para trabalharem e produzirem mais, de forma a compensar a riqueza que não foi gerada anteriormente e honrar os compromissos financeiros assumidos na emergência: horários alargados de funcionamento (mais horas, mais dias), flexibilizar as horas extraordinárias, maior flexibilidade na contratação e gestão dos recursos humanos, permitir escolas e universidades abertas no Verão, entre outros. Tudo isto para gerar riqueza suficiente pagar os compromissos desse período e os do passado, outrora adiados. Conseguindo isto, a recessão profunda poderá tornar-se curta. Como nas recessões do século XIX, para as quais uma seca severa ou uma estação de cheias está como este vírus para as nossas economias de serviços.

Claro que há limites a este mecanismo. Há serviços que simplesmente não conseguem gerar riqueza em excesso no futuro: não cortar o cabelo hoje não implica cortá-lo duas vezes amanhã. Igualmente, as férias da Páscoa não se repetirão no próximo trimestre e os mesmos aviões não trarão o dobro das pessoas quando a emergência acabar. Mais importante ainda, o papel da substituição intertemporal só opera se recessão for breve. Quanto mais duradouro o (necessário) choque à economia, menos são as hipóteses de substituição intertemporal e mais profunda tenderá a recessão a ser.

Isso leva ao segundo cenário, o mais pessimista: uma paragem durante um período. Nesse caso, as ajudas de liquidez anunciadas hoje não vão chegar. O governo vai mesmo ter de dar recursos a alguns sem receber nada em troca. Num país com pouco espaço orçamental devido a enorme dívida herdada do passado, isto é difícil. Talvez isto seja mesmo inevitável. Mas se não o for, resgates nesta altura (sem nada em troca) arriscam colocar-nos, dentro de alguns meses, no mesmo cenário em que estávamos no início de 2010: com muita dívida pública, poucas receitas no horizonte e uma crise ao virar da esquina. Por enquanto, a decisão de Centeno e Siza Vieira é cautelosa, mas ajuizada. É o melhor que é possível num país que não foi capaz de construir uma almofada financeira nas últimas décadas.