Um grupo de cientistas, entre os quais um investigador da Universidade do Porto, acaba de publicar na revista "Nature" um estudo sobre os movimentos de várias espécies marinhas predadoras (doi: 10.1038/nature09116). Estudaram as deambulações de 55 indivíduos de 14 espécies diferentes, incluindo tubarões, atuns e outros, e verificaram que os comportamentos se ajustavam aos ditames de uma teoria matemática sofisticada. Estarão os peixes a ter aulas de cálculo?
Um dos padrões de deslocação seguidos pelos animais é o chamado movimento browniano, que tem uma versão discreta conhecida por passeio aleatório. Trata-se de uma deslocação errática em que, qualquer que seja a escala em que se observe, a direcção do movimento e a distância percorrida são aleatórios. Quem pela primeira vez observou este tipo de comportamento foi o botânico Robert Brown (1773-1858), que se espantou com a agitação que pequenas partículas de pólen manifestavam quando mergulhadas em água. Foi preciso esperar por Albert Einstein para conseguir explicar o fenómeno. Em 1905, o grande físico percebeu que a agitação se devia aos choques de miríades de moléculas de água e que as desordens se somavam e subtraíam, de forma a provocar o movimento das partículas de pólen. Elaborou um esboço de modelo formal desse comportamento - e o movimento browniano fez a sua aparição em matemática. Cinco anos antes, contudo, o matemático francês Louis Bachelier (1870-1946) tinha derivado discretamente um modelo matemático semelhante. O seu objectivo era explicar os movimentos erráticos dos mercados, mas as suas ideias só foram desenvolvidas no último quartel do século XX, tornando-se a base dos estudos de matemática financeira.
Nos anos 1990, percebeu-se que algumas espécies de animais predadores, entre as quais tubarões, tinham um comportamento semelhante quando procuravam as presas. Os peixes juntaram-se aos grãos de pólen e aos mercados como exemplos de movimento browniano. Maldita matemática!
Mas há mais: alguns estudos notaram que os passeios aleatórios dos predadores mudavam quando a caça rareava. Nessas alturas os movimentos tornavam-se mais bruscos. Passavam muito tempo deslocando-se alguns poucos metros para, de repente, se deslocarem quilómetros. Ora, no movimento browniano, o espaço percorrido em certo intervalo de tempo é aleatório, mas relativamente bem distribuído - segue aquilo a que se chama uma distribuição normal. Neste novo movimento de caçadores desesperados, a distância percorrida varia bruscamente - os animais mantêm-se relativamente tranquilos, mas volta e meia fazem deslocações bruscas e longas. A distribuição dos espaços percorridos ajusta-se bem a uma lei chamada de Lévy, em que a probabilidade de haver grandes desvios é muito superior à que se verifica numa distribuição dita normal. Os matemáticos descreveram esse tipo de movimento como "voos de Lévy" (Lévy flights).
Recentemente, alguns cientistas modelaram matematicamente os movimentos dos predadores e concluíram que havia duas estratégias óptimas ("Phys. Life Rev. 5", 133-150). Se a caça fosse relativamente abundante, os caçadores deveriam deambular seguindo um movimento browniano. Mas se a caça faltasse, a melhor estratégia seria a dos voos de Lévy.
No estudo agora relatado na "Nature", os cientistas descrevem o movimento de peixes a que foram agrafados pequenos equipamentos electrónicos, sinalizando a sua localização. Quando a caça é abundante, os predadores movimentam-se seguindo um modelo browniano. Quando a caça rareia, passam a adoptar o modelo de Lévy. Não é que os animais tiveram mesmo aulas de matemática?!
Texto publicado na edição do Expresso de 12 de Junho de 2010