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Opinião

Fé e ciência: a mesma curiosidade

Se a matéria é imune ao espírito, como é que a mente consciente foi produzida?

A Contrarreforma teve os seus pecados, mas deu-nos Caravaggio. Por mim, está perdoa­da. No “A Dúvida de Tomé”, vemos a incredulidade do apóstolo perante Cristo ressuscitado. O quadro chocou e choca as mentes mais beatas, que estão sempre à espera de lero-lero abstrato e fofinho ou de santinhas a rodopiar no ar. Esquecem que o Cristianismo é Deus transformado em carne, aliás, em ferida humana. Aquele dedo curioso e herético de Tomé é o dedo de todos nós: como é possível? Mais a norte, os protestantes cometeram o erro de pensar que só a palavra conta e, vai daí, desataram a queimar quadros religiosos numa fúria iconoclasta. A pintura de Rembrandt, o Caravaggio holandês, só podia assim representar a vida cívica, familiar e científica. No entanto, em “A Lição de Anatomia” vemos a mesma curiosidade de Tomé. Em pistas diferentes, o cirurgião e o apóstolo mostram o mesmo assombro perante o mistério.