Opinião

“Cada cabeça que me trouxer cortada rente no pescoço, eu pago 500 euros”

Quando um português oferece 500 euros por "cabeças de brasileiros" cortadas, atravessamos todas as linhas vermelhas da civilidade. Portugal tem instrumentos legais para combater este incitamento criminoso ao ódio racial

As palavras são claras e chocantes: "A cada português que me trouxer a cabeça de um brasileiro, desses zukas que vivem aqui em Portugal, estejam legais ou ilegais, cada cabeça que me trouxer cortada rente no pescoço, eu pago 500 euros". 

Esta frase, proferida por um cidadão português num vídeo que viralizou nas redes sociais, representa o ponto mais baixo de uma escalada xenófoba que está a contaminar o discurso público português. 

Não posso deixar passar em silêncio esta manifestação grotesca de incitamento ao ódio racial. A liberdade de expressão termina onde começa a incitação à violência física contra grupos de pessoas.  

A xenofobia nas redes sociais 

O vídeo que oferecia 500 euros "por cabeça de brasileiro" não é caso isolado. As denúncias de xenofobia contra brasileiros aumentaram 500% até ao final de 2024. 

As redes sociais tornaram-se palco privilegiado desta escalada do ódio. Mensagens como "volta para a tua terra", "zuca de merda", "macaca" e "favelada" proliferam diariamente, criando um ambiente tóxico que desmoraliza a comunidade imigrante e envergonha Portugal enquanto sociedade civilizada. 

Contudo, a xenofobia não é via única. Também algumas figuras públicas brasileiras alimentam tensões desnecessárias com declarações profundamente depreciativas sobre Portugal e os portugueses. 

Uma conhecida personalidade brasileira referiu-se a portugueses como "brasileirinhos parvos, ridículos", classificou locutoras nacionais como "tias abaixo da média" e criticou a programação portuguesa como "de baixa qualidade". 

O antilusitanismo brasileiro continua a alimentar estereótipos que pintam os portugueses como "atrasados", "burros", "colonizadores exploradores" ou "tugas". Nas redes sociais, proliferam expressões como "portuga burro", "lusitano primitivo" ou referências jocosas à "terrinha" que Portugal supostamente é. 

Imigração regulada 

É fundamental distinguir entre xenofobia criminosa e a defesa legítima de uma imigração regulada. Portugal tem o direito soberano de definir políticas migratórias ordenadas, respeitando capacidades de integração. 

Defender critérios rigorosos de seleção, quotas adequadas e controlo de fronteiras não é xenofobia - é gestão responsável. Países como Canadá ou Austrália combinam abertura humanista com políticas migratórias estruturadas. 

O problema transcende as redes sociais e contamina o discurso político. O crescimento da retórica anti-imigração transforma imigrantes em bodes expiatórios. Quando se atribuem aos imigrantes, de forma leviana, as responsabilidades pelos problemas da habitação e saúde, cria-se terreno fértil para a xenofobia. 

Não se trata de censurar opiniões legítimas, mas de proteger a dignidade humana e prevenir violência contra grupos vulneráveis. 

É fundamental que a resposta judicial seja firme e exemplar. A impunidade incentiva a escalada do ódio nas redes sociais. 

Portugal orgulha-se da sua tradição humanista e capacidade histórica de integração. Não podemos permitir que o discurso de ódio corroa estes valores fundamentais. 

O futuro passa por uma imigração regulada que sirva os interesses nacionais sem abdicar dos valores humanistas. Isso significa políticas migratórias claras, integração eficaz e tolerância zero com quem incita ao ódio, seja qual for a sua nacionalidade. 

Portugal merece melhor.  

A democracia portuguesa tem instrumentos legais para se defender desta barbárie.  

É tempo de os usar.