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Opinião

As democracias estão a colapsar como a URSS?

A banalização do absurdo, o fingir que tudo está bem quando se sabe que tudo está a colapsar por dentro. Aconteceu com os soviéticos nos anos 80. Acontece agora

Na derrocada da Rússia soviética, no final dos anos 80 do século passado, a vida era estranha. Ou, se calhar, não era. As pessoas apercebiam-se de que as instituições governativas estavam lixadas e, apesar disso, a vida quotidiana continuava normalmente, embora com medo, angústia, negação e dissociação. O académico Alexei Yurchak, em “Everything Was Forever, Until It Was No More” (2005), cunhou esta experiência de “hipernormalização”: uma sociedade em que o normal era evidentemente anormal. Do topo à base, todos sabiam que o sistema estava corrupto e todos, na ausência de alternativa, aceitavam essa ficção como normal. Yurchak notou num paradoxo: a maioria dos cidadãos vivia o socialismo como algo eterno e imutável, mas, ao mesmo tempo, estava preparada para o seu colapso. “O Estado fingia que estava tudo normal enquanto ruía por dentro, e a população, cética, participava desse teatro do dia a dia.” Essa hipernormalização permitiu que uma sociedade inteira se mantivesse funcional na superfície enquanto o absurdo era interiorizado — até que a realidade se impôs com o fim abrupto da União Soviética. Tudo era para sempre, até que deixou de o ser.