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Opinião

Suspeita eterna

À pessoa que diz que é vítima chamamos “vítima”. A uma pessoa sobre quem recai uma suspeita chamamos “culpado”

“Sou inocente porque sou inocente”, disse em tribunal Pierre Goldman, intelectual e militante de extrema-esquerda dos anos 60-70, acusado de homicídio. O que queria dizer era simplesmente que não tinha cometido aqueles crimes; não pretendia defender as suas ideias, o seu carácter, o seu comportamento, apenas declarar-se inocente dos homicídios que lhe atribuíam, segundo ele sem provas (mas a sentença entendeu o contrário). Numa coisa ele tinha razão: não há culpados sem prova, e um acusado é inocente, ou tem de ser inocentado, porque existe o actori incumbit probatio da Roma Antiga, os escritos dos Iluministas, a Declaração dos Direitos do Homem de 1789, as leis americanas, a teorização do penalista italiano Beccaria ou do filósofo britânico Bentham, as intervenções do ministro da Justiça francês Badinter, entre outros pensadores, códigos e instituições que estabeleceram uma regra clara e concisa: ninguém deve ser condenado sem que em julgamento se produzam provas indubitáveis (o beyond reasonable doubt da tradição americana), sendo que o ónus da prova cabe ao acusador.